Título: SILÊNCIO DE QUASE 1 HORA NO RÁDIO
Autor: Regina Alvarez, Bernardo de la Peña, Anselmo Carva
Fonte: O Globo, 06/10/2006, O País, p. 18

Caixa-preta do Legacy revela que piloto sequer tentou responder aos 7 chamados da torre após Brasília

Pinto** e Cláudio Motta

BRASÍLIA, CUIABÁ e RIO. A equipe que investiga as causas do acidente com o Boeing 737-800 da Gol já fez o cruzamento de dados do Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Brasília (Cindacta 1) com as informações da caixa-preta do Legacy e comprovou que os controladores de vôo fizeram sete tentativas de contato, pelo rádio, com o Legacy. As tentativas de contato foram registradas pelo jato fabricado pela Embraer e, segundo dados da caixa-preta do Legacy, os pilotos sequer acionaram os comandos internos que permitiriam a resposta.

As investigações indicam que o Cindacta 1 ficou quase uma hora sem comunicação com o Legacy, pilotado pelos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino. Os controladores de vôo mantiveram comunicação normal com o jato no trajeto entre São José dos Campos (onde a aeronave decolou às 14h50m de sexta-feira) e Brasília. O jato sobrevoou a capital por volta das 16h e, cerca de dez minutos depois, os controladores observaram que o transponder ¿ equipamento que registra a posição exata da aeronave no radar e aciona o sistema anticolisão ¿ estava inoperante. O equipamento só voltou a funcionar após o choque com o Boeing da Gol, por volta das 17h. O piloto do Legacy emitiu um sinal de alerta internacional e entrou em contato com o Cindacta 4 (Manaus) pedindo instruções para pouso de emergência, o que aconteceu às 17h20m, na Base Aérea de Cachimbo.

As autoridades já têm convicção de que o piloto do Legacy desligou o transponder e permaneceu voando a 37 mil pés, descumprindo o plano de vôo e provocando o acidente. A FAB só deverá se manifestar, no entanto, depois de analisar as caixas-pretas do Boeing da Gol. Os investigadores não encontraram qualquer indício de falha no equipamento do jato.

Legacy passou por Brasília a 37 mil pés

A caixa-preta registra toda a comunicação dos Cindactas com o jato e o que foi falado na cabine. Se o piloto do Legacy tivesse tentado responder aos chamados do Cindacta 1 sem sucesso, a caixa-preta também registraria essas tentativas.

Quanto passou por Brasília, o transponder do Legacy ainda estava ligado e indicava a posição de 37 mil pés. A partir daí, pelo plano de vôo assinado pelo piloto americano na decolagem em São José dos Campos, o jato teria que baixar para 36 mil pés, mantendo-se nesta altitude até Manaus. Não foi o que ocorreu, já que o choque se deu a 37 mil pés, mostrando que o jato descumpriu o plano de vôo.

Fontes da Aeronáutica explicaram ontem que nenhum sinal de alerta foi dado pelo Cindacta de Brasília ao Boeing da Gol porque não havia qualquer indicação e nenhum motivo para acreditar que o piloto do Legacy não estivesse seguindo seu plano de vôo.

¿ Isso é tão absurdo na lógica da aviação que, olhando as estatísticas, daria para dizer que é uma hipótese próxima de zero ¿ comentou uma autoridade ligada às investigações.

Outra informação que reforça a convicção de que não houve pane no equipamento do Legacy é que não há registros de pedido de auxílio a qualquer outra aeronave antes da colisão ¿ o procedimento de praxe em casos de falha no equipamento de comunicação. Esse contato é tratado como chamado-ponte, no jargão da aviação. Além disso, logo depois do choque, o piloto usou imediatamente o rádio e o transponder para se comunicar com o Cindacta de Manaus, e conseguiu contato sem qualquer dificuldade.

Aeronáutica faz testes e nega zonas de sombra

Se estivesse com problemas no equipamento, o Legacy poderia ainda ter usado um código de emergência (76.00) que indica falhas na comunicação e pode ser captado pelos Cindactas. Isso também não aconteceu. Nesses casos, quando o código é acionado, os Cindactas deixam livre toda a área próxima ao trajeto previsto no plano de vôo da aeronave que está com problemas de comunicação para evitar acidentes.

Não havia necessidade, pelas normas de aviação, que o jato entrasse em contato com o Cindacta de Brasília, desde que seguisse o plano de vôo, o que também não aconteceu. Mesmo com o transponder desligado, o jato podia ser visto pelos radares do Cindacta, mas sem indicação da altitude em que estava.

O diretor-geral do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), tenente-brigadeiro-do-ar Paulo Roberto Cardoso Vilarinho, afirmou ontem que não há zonas de sombra para o controle do tráfego aéreo no Brasil. Desde sexta-feira, vôos de inspeção estão sendo realizados para saber se houve alguma falha dos equipamentos de controle aéreo. A Aeronáutica não detectou qualquer problema no rádio e no radar. Rebatendo as acusações do jornalista Joe Sharkey, do ¿New York Times¿, ele disse que os equipamentos são de última geração:

¿ Nosso sistema não perde para o de qualquer outro país. Nossa cobertura, tanto por rádio como por radar, é total, não existe buraco negro.

Especialista em segurança da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o coronel Douglas Machado disse ontem num seminário na Firjan que, para que um desastre aéreo aconteça, é necessário que ocorra uma sucessão de pelo menos cinco erros, sejam eles operacionais, humanos ou materiais. Segundo o militar, a média foi revelada numa pesquisa feita recentemente pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), do Ministério da Defesa, sobre os fatores que levaram a 238 acidentes e incidentes aéreos nos últimos cinco anos no país.

Segundo o coronel, os equívocos que contribuem para desastres vão do estresse de pilotos ao erro de fabricação das aeronaves, passando por descuidos de manutenção, de controladores de vôo e treinamentos insuficientes, entre outros. Ainda de acordo com o militar, não há casos de desastres provocados por um único fator. Do universo de erros revelados na pesquisa, 75% são fatores operacionais (como o controle dos vôos), 20% são fatores humanos, como o estresse, e apenas 5% são fatores materiais, que envolvem a fabricação das aeronaves.

Em entrevista ao ¿Jornal Nacional¿, da Rede Globo, o advogado no Brasil dos pilotos americanos, José Carlos Dias, negou que o transponder do Legacy tenha sido desligado:

¿ Isso é uma insensatez. Imaginar que alguém vai desligar um aparelho em pleno vôo com todas essas circunstâncias. Ninguém desligou nada.

*Enviado especial/ **Especial para O GLOBO