Título: A barca de Calderón
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/10/2006, O GLOBO, p. 2

Felipe Calderón, presidente eleito do México, encerrou ontem em Brasília sua visita a países da América Latina. Esteve com o presidente Lula e foi homenageado pelo chanceler Celso Amorim com um almoço no Itamaraty. Vitorioso por apenas 0,56% dos votos, amargou a contestação do adversário batido, Lopes Obrador, que mobilizou multidões exigindo a recontagem. Calderón resume sua experiência: ¿Na democracia moderna e em sociedades complexas, as eleições tendem a ser decididas por pequena margem de votos. Devemos nos acostumar¿. Isso vale também para o Brasil.

No primeiro turno de domingo passado, tivemos governadores eleitos por frações de até 0,50% dos votos. O presidente Lula deixou de ganhar por apenas 1,5%. A pesquisa de boca-de-urna saiu com um placar de 50% para ele e 50% para a soma de votos dos concorrentes. Lula teve 6,6 milhões de votos a mais que Alckmin, equivalentes a sete pontos percentuais, mas é possível que a disputa no segundo turno termine apertada, seja quem for o vencedor. Não devemos nos sobressaltar, enxergando nos resultados apertados um racha na sociedade ou um prenúncio de instabilidade política, diz o futuro presidente mexicano, lembrando também as últimas eleições na Espanha e na Alemanha:

¿ Na sociedade moderna, diante de uma oferta colossal de informações, o eleitor reflete e reconsidera a decisão até no dia da eleição. Isso tem produzido mudanças abruptas de tendência em diversos países. Mas o principal é que os interesses no interior das sociedades contemporâneas são cada vez mais complexos, antagônicos e não hegemônicos, produzindo maiorias escassas.

João Francisco Meira, do Instituto Vox Populi, costuma dizer o mesmo, em outras palavras, sobre resultados apertados: ¿Ninguém mais ganha eleição de balaiada. Isso é coisa de oligarquias ou ditaduras. No Brasil democrático e moderno, de interesses tão divergentes, vai ser assim mesmo¿.

Tal como o Brasil, o México também enfrenta a necessidade de reformar seu sistema político. Lá, parece imperativa a adoção do segundo turno, que teria evitado o transtorno recente. Calderón ganhou por apenas 35,88% dos votos, contra 35,31% obtidos por Obrador. O segundo turno propiciaria a maioria absoluta ao vencedor e a modernização do processo de votar ¿ problema que resolvemos com a urna eletrônica ¿ evitaria riscos e suspeitas de fraude. A senadora Beatriz Lavala (PAN) diz que o México está interessadíssimo em conhecer nossa tecnologia do voto.

O sistema partidário mexicano, que já foi unipolar, durante o reinado do PRI, agora está em expansão, e disso resulta a fragmentação do voto no Parlamento, embora não de forma tão aguda como aqui. O PAN elegeu 260 deputados, precisando Calderón agora atrair para uma coalizão pelo menos 45 deputados de outros partidos. Apesar das afinidades do passado, depois do confronto as relações com o PRD de Obrador estão péssimas. A aliança deve ser feita com o PRI e com pequenos partidos.

Um sinal da preocupação de Calderón com a governabilidade e a formação de sua base parlamentar é dado pela própria composição da comitiva que o acompanha, uma arca de partidos. Dela participam deputados e senadores do PAN, do PRI, do Partido Verde, do Partido do Trabalho e da Nova Aliança, um partido cuja base social são os professores. Nenhum do PRD. Aqui, Lula e Alckmin estão montando não apenas alianças eleitorais, mas o embrião da coalizão de governo de quem ganhar.

A senadora Beatriz Lavala falou-nos ainda da participação das mulheres no Parlamento, em proporção bastante superior à nossa. Elas são 8% no Senado, contra 10% aqui. E são 24% na Câmara, contra 8% aqui, proporção que não se alterou domingo passado.

Em seu discurso, no almoço, respondendo à saudação de Celso Amorim, Calderón foi enfático: em seu governo, estará empenhado numa nova relação com o Brasil, que tem tudo para prosperar.