Título: ATAQUES À IGREJA CATÓLICA
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 07/10/2006, Opinião, p. 7

Nos últimos tempos vêm surgindo com mais freqüência notícias hostis à Igreja Católica. Oportuno recordar o que nos adverte o Evangelho de São João (15, 18ss): ¿Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, me odiou a mim.¿

Os meios de comunicação social levam ao conhecimento público ocorrências em qualquer parte do mundo. Pode ser prejudicada a exatidão dos fatos pela impossibilidade de verificar a autenticidade dos mesmos. O perigo é maior quando se trata de matéria que, por sua natureza, exige maior conhecimento. Corre-se o risco de se transmitir informações truncadas ou falsas. A dificuldade aumenta ainda mais quando a pessoa que prepara a reportagem ou o artigo desconhece ou é hostil à nossa crença religiosa.

Tomo como exemplo as reações negativas ao discurso do Santo Padre Bento XVI, dirigido aos representantes do mundo científico e cultural da Baviera, na Aula Magna da Universidade de Regensburg, a 12 de setembro último, sobre ¿Fé, razão e universidade. Relações e reflexões¿.

O Santo Padre começou recordando o passado. Assim se expressou: ¿Tudo me voltou à mente, quando li a parte publicada pelo professor Theodore Khoury, do diálogo que o douto imperador bizantino Manuel II, paleólogo, talvez durante os meses do inverno de 1391 em Ankara, teve com um persa culto sobre cristianismo, o islã e a verdade de ambos.¿ Assim, entrou no tema de sua conferência: o imperador, ¿de modo tão brusco que nos surpreende, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral¿. Bento XVI, dando sua Aula Magna, comentou o episódio: ¿A afirmação decisiva nesta argumentação contra a conversão mediante a violência é: não agir segundo a razão contraria a natureza de Deus.¿

A tempestade decorrente dessa extraordinária conferência é de nossos dias. Não só muçulmanos, mas também cristãos ou quem assim se intitula, fizeram restrições. Houve também vozes que proclamaram a oportunidade e o acerto dos termos da conferência, pronunciada em uma universidade por quem a ela pertenceu. Em sua primeira aparição pública após a crise, ou seja, na recitação do ¿Ângelus¿, no domingo, 17, não pediu perdão como alguns esperavam. Entretanto, disse estar ¿profundamente desgostoso pelas reações em alguns países à pequena passagem do meu pronunciamento que foi considerada ofensiva à sensibilidade dos muçulmanos¿.

Em Castel Gandolfo, a 25 de setembro, convidou embaixadores e diplomatas de 21 países, de maioria muçulmana, e representantes do islamismo na Itália. Participou também o representante da Liga dos Estados Árabes. O canal de televisão ¿Al Jazeera¿ transmitiu a reunião. Disse o Santo Padre: ¿Neste contexto particular, quero hoje expressar toda a estima e o profundo respeito que sinto pelos crentes muçulmanos.¿ Recordou a Declaração do Concílio Vaticano II, ¿Nostra Aetate¿, na qual se manifesta de maneira oficial o ¿apreço¿ da Igreja pelos ¿muçulmanos que adoram o único Deus¿. Disse que ¿desde o início de meu pontificado tive a ocasião de manifestar meu desejo de seguir estabelecendo pontes de amizade com os seguidores de todas as religiões, manifestando particularmente meu apreço pelo crescimento do diálogo entre muçulmanos e cristãos¿.

O discurso do Papa foi acolhido com aplauso. O escritor iraquiano Younis Tawfir, após a audiência, confessou que o discurso foi ¿emocionante e de grande impacto, pois não quis retomar ou afirmar a polêmica dos dias passados, mas pronunciar um discurso totalmente novo (...). Confirmou sua estima pelo islã, pelos muçulmanos, dando-nos uma aula de grande tolerância, sobretudo quando passou a saudar-nos um a um. Deteve-se o tempo suficiente para perguntar a cada um quem era e para agradecer-lhe por ter vindo à audiência.¿

Voltemos ao início. Refiro-me à freqüência dos ataques à Igreja. Aponto entre as causas o desconhecimento da doutrina e a ausência da virtude da fé. Em conseqüência, os católicos devem se acautelar diante de acusações à Instituição fundada pelo Senhor Jesus. Ela, por ser uma comunidade composta de criaturas humanas, reconhece falhas, sombras, mas, guiada pelo Espírito Santo, busca corrigi-las. Assim, olhando o seu passado, há muito que agradecer ao Senhor nosso Deus.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da arquidiocese do Rio.

Entre as causas, o desconhecimento da doutrina e a ausência da virtude da fé