Título: ESPECIALISTAS CONTESTAM VERSÃO DOS PILOTOS
Autor: Antonio Werneck, Regina Alvarez e Tulio Brandao
Fonte: O Globo, 07/10/2006, O País, p. 22

Para técnicos, é impossível uma aeronave sobrevoar Brasília e não conseguir contato com os controladores

RIO e BRASÍLIA. O contato que os pilotos do Legacy alegam ter tentado fazer, sem sucesso, com o Cindacta 1, de Brasília, não aconteceu, afirmou ontem uma fonte do comando da Aeronáutica em Brasília. Segundo o oficial e especialistas ouvidos pelo GLOBO, não existe a menor possibilidade de uma aeronave sobrevoando Brasília não conseguir comunicação com a torre. A versão tinha sido apresentada pelos advogados dos pilotos, José Carlos Dias e Theo Dias, e por diretores da empresa americana ExcelAire, dona do avião Legacy da Embraer que se chocou com o Boeing 737- 800 da Gol em pleno ar.

Outros aviões não captaram tentativa de contato

Segundo eles, foi pela falta de comunicação que o avião não reduziu a altitude, fator decisivo para o choque, já que as aeronaves estavam a 37 mil pés, em sentido oposto.

O comando da FAB lembrou ainda que, durante as investigações, nenhum outro piloto ¿ o fluxo de aviões é grande em Brasília ¿ disse ter ouvido a suposta tentativa de comunicação. O Legacy fez seu último contato com o Cindacta 1 pouco antes de Brasília (dez minutos antes), confirmando seu plano de vôo: 37 mil pés de São José dos Campos até Brasília; 36 mil pés de Brasília até Teres (480 quilômetros a noroeste de Brasília) e, finalmente, 38 mil pés até Manaus. O Legacy, diferentemente do indicado no plano, teria voado todo o trajeto a 37 mil pés.

¿ Em muitos casos, e existem históricos na aviação, um piloto com dificuldades de contato faz uso da mensagem em ponte. Ou seja, chama um outro piloto que esteja voando na área, explica seus problemas e pede ajuda para o contato ¿ disse a mesma fonte da Aeronáutica, que acompanha as investigações do acidente.

O coronel da reserva da FAB Franco Ferreira lembra que já houve um caso na história de falha no Cindacta 1 (Brasília), mas, certamente, não foi o caso do dia do acidente:

¿ Quando um sistema como o Cindacta não funciona, o problema é sentido por todos os aviões, um caos. Obviamente não foi o caso do dia da queda do Boeing. Ele efetivamente tinha de ter se comunicado com o controle aéreo em Brasília, se quisesse alterar seu plano de vôo original. E, lá, é absolutamente inverossímil a hipótese de falha do sistema do controle aéreo. O sinal, em cima de Brasília, é perfeito.

O choque, disseram fontes da Aeronáutica, aconteceu cerca de 30 minutos depois de Teres.

¿ Tudo isso vai ser esclarecido a partir do laudo técnico com o conteúdo das caixas-pretas dos aviões. Estamos preparando um pré-relatório para divulgá-lo antes do prazo ¿ informou um oficial da Aeronáutica.

O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, afirmou ontem que não havia razões para os controladores de vôo imaginarem que o jato Legacy, da ExcelAire, não estava cumprindo o plano de vôo e destacou que, se o plano fosse cumprido, não teria ocorrido o acidente, mesmo com falhas na comunicação. Pereira lembrou que durante muitos anos, até a criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), os vôos sobre a Amazônia eram feitos sem a ajuda de radares e não havia colisões.

¿ Todos os controladores partem do pressuposto de que os pilotos estão cumprindo o plano de vôo. É inimaginável que um piloto, em sã consciência, mude o plano de vôo sem avisar os controles em terra ¿ disse o presidente da Infraero.

Investigações sobre acidente estão sendo feitas em sigilo

Durante a entrevista, na tarde de ontem, o brigadeiro disse desconhecer o andamento das investigações sobre o acidente:

¿ É compreensível a ansiedade, mas a investigação deve ser feita em sigilo ¿ afirmou.

Na sua visão, qualquer conclusão só será possível após a contextualização de todas as informações retiradas das caixas-pretas e o cruzamento com os registros dos sistemas de controle de tráfego aéreo. Ele disse não saber se o piloto do Boeing foi avisado pelos controladores sobre o risco.

Ressalvando que estava falando em tese, o brigadeiro explicou que se um avião está seguindo seu plano de vôo, como no caso do Boeing da Gol, e outra aeronave apresenta algum problema, o procedimento adequado é manter o avião que está cumprindo o plano de vôo na sua rota até que seja possível identificar o problema do outro e sugerir uma alternativa para quem estiver em risco.

¿ Caso contrário, o controlador só cria pânico no piloto e seriam duas aeronaves fora da rota ¿ explicou.

De forma reservada, militares da Aeronáutica fizeram ontem duras críticas à postura da ExcelAire e de seus advogados em relação à defesa dos pilotos do Legacy. Uma fonte graduada observou que a linha de defesa adotada pode complicar ainda mais a situação dos pilotos. Os advogados tentam responsabilizar o sistema de controle de tráfego aéreo pelo fato de o Legacy estar voando fora da rota definida no plano de vôo e afirmam que o piloto do jato tentou e não conseguiu comunicação com o Cindacta 1, de Brasília.