Título: A MAIS COMPLICADA MISSÃO DA HISTÓRIA DO PARA-SAR
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 08/10/2006, O País, p. 28

Grupo de elite das Forças Armadas enfrenta mata cerrada e ataques de abelhas

PEIXOTO DE AZEVEDO (MT). A Força Aérea Brasileira (FAB) montou uma operação de guerra e logo localizou mais da metade dos corpos das 154 vítimas da queda do Boeing 737-800 da Gol, no Parque Nacional do Xingu. Mas mesmo com os avanços desta fase inicial, as buscas podem se arrastar por semanas e, ainda assim, sem garantia de que todos os corpos serão localizados e resgatados. Para oficiais que estão na linha de frente da operação, esta é a mais complicada missão de resgate do Para-Sar, sigla em inglês para Serviço de Busca e Salvamento, uma das tropas de elite das Forças Armadas. As dificuldades vão desde a alta densidade da mata aos constantes ataques de abelhas.

¿ Essa busca é singular na aviação mundial. Exige um esforço de logística muito, como uma estrutura de guerra. Ainda não sabemos quanto isso aqui vai durar ¿ afirma o tenente Jerônimo Inácio, um dos coordenadores da base de operação de resgate instalada na Fazenda Jarinã, a aproximadamente 40 quilômetros da área do acidente.

Um dos maiores obstáculos até o momento tem sido a geografia. Mesmo com toda a especialização, a equipe precursora do Para-Sar teve enormes dificuldades para sair da base e chegar ao centro da tragédia, na reserva dos índios caiapós e caputos. O primeiro grupo teve que ser levado de helicóptero e levado até o chão num cabo de aço. O grupo demorou pelo menos dois dias para, com moto-serras, facões e enxadas, abrir uma clareira de 30 metros de diâmetro na floresta. Para facilitar o pouso dos helicópteros, os precursores tiveram que derrubar as árvores e arrastar as toras para dentro da mata.

¿ O trabalho dependia basicamente do esforço físico de cada um ¿ conta um militar do comando da operação.

A partir da clareira, as tropas começaram a fazer caminhadas em círculos dentro da mata. A área demarcada para as buscas se estende por uma vastidão de 20 quilômetros quadrados.

Nesta primeira semana, as buscas ainda se restringiam a uma área inferior a um quilômetro quadrado. Os militares reclamam que a mata, extremamente fechada, dificulta a visão e a circulação de pessoas por ali. Às vezes, eles têm que percorrer várias vezes um mesmo caminho até chegar a um corpo perdido no emaranhado de galhos, troncos e cipós.

¿ É muito cansativo e arriscado. Se a gente não tiver cuidado, pode até pisar num corpo ¿ disse um sargento.

Segundo ele, a mata é tão fechada que, de vez em quando, colegas se perdem. Para evitar vexames, os militares carregam apitos e aparelhos GPS, meios mais práticos de comunicação. Os riscos são ainda maiores para quem é destacado para passar a noite na mata. Os escolhidos têm que dormir em redes amarradas em troncos de árvores próximas à clareira e de fogueiras sempre acesas.

¿ Nosso maior receio é a aproximação de animais. Aqui é selva, tem onça, queixada, animais perigosos ¿ afirma o tenente-coronel Josbecasi Moreira Lima, depois de passar a noite de segunda-feira próximo ao local onde outros colegas encontraram 50 corpos.

Nessa noite, à frente de um grupo de cinco pessoas, Moreira Lima montou uma escala para que todos ficassem pelo menos uma hora e meia acordados ao longo da noite para não deixar o fogo apagar.

Na mata, o isolamento é total. Alguns militares da equipe precursora só ficaram sabendo do segundo turno das eleições presidenciais na manhã de segunda-feira, quando retornaram, exaustos, à base Jarinã. ¿Vai ter segundo turno para presidente ? No Rio também ? Ah, tá bom¿, desconversou um sargento que resgatou um dos dois primeiros corpos na floresta.

O sargento disse que encarou a tarefa com naturalidade. Vestiu as luvas e enfiou o corpo no saco de lona. Mas, para o major Átila Wanderley, chefe da equipe do Corpo de Bombeiros de Sinop, o trabalho não é tão simples assim. Segundo ele, não há ser humano capaz de ficar indiferente às cenas de horror, que são os corpos mutilados e os pedaços do avião espalhados pela mata. Para ele, foi chocante ver poltronas e roupas na copa das árvores e corpos nus afundados no chão.

O comando da Aeronáutica já percebeu as dificuldades. Nos primeiros dias da operação, a força de resgate trabalhava com 83 militares e quatro helicópteros. Na quinta-feira, a base de Jarinã já contava com 130 homens, sete helicópteros e telefones por satélite.