Título: TRAGÉDIA MUDA ROTINA DE FUNCIONÁRIOS DE FAZENDA
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 08/10/2006, O País, p. 28

Todos se desdobram para atender tropas

PEIXOTO DE AZEVEDO, MT. A queda do Boeing 737-800 da Gol numa das extremidades do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, mudou a rotina dos empregados da Fazenda Jarinã, em Peixoto de Azevedo. Alguns funcionários estão trabalhando em dobro para atender as necessidades da fazenda, de 30 mil hectares e uma das maiores da região, e a demanda das tropas. Desde 30 de setembro, dia seguinte à tragédia, a fazenda foi transformada em base avançada da Força Aérea Brasileira. Pelo local, tem transitado mais de 150 forasteiros, entre militares, médicos e jornalistas.

Uma das pessoas que mais sentiu o peso das mudanças foi Margarida Ferreira Bento, a cozinheira da Jarinã. Acostumada a fazer refeições para 30 peões por dia, Margarida teve que se desdobrar para atender a mais de 80 militares só na fase inicial da operação de resgate. Com a ajuda de uma amiga, fez bolos e pães para saciar a fome da tropa no café da manhã. Depois, preparou grandes quantidades de arroz, feijão e costela de boi para servir no almoço e no jantar. Só na terça-feira é que recebeu ajuda de dois taifeiros da Aeronáutica.

¿ É muito serviço. Nunca tinha cozinhado para tanta gente¿ diz.

Margarida não pára nem para dar entrevista, mas não reclama do cansaço. Para ela, a causa é nobre. A cozinheira entende que o trabalho extra é uma forma de ajudar as famílias dos mortos no acidente. O subgerente da fazenda, Ademir Ribeiro, também não descansa. Passa o dia inteiro ajudando militares e jornalistas a fazerem ligações num precaríssimo telefone e num rádio-amador instalados no escritório da administração da fazenda. Ele anda preocupado com o entra-e-sai de visitantes, mas não perde a calma.

O gerente da fazenda, Milton Picalho, também deixou de lado suas tarefas administrativas. Sempre com um chapéu branco na cabeça, se transformou no chefe extra-oficial da logística. A todo momento, é chamado para fornecer colchão, emprestar caminhonete. Com apoio dos patrões, não mede esforço para agradar os visitantes.

¿ Só me aborreço quando o pessoal volta do mato sem achar corpos ¿ diz.

A disputa por telefone e por espaço não é pequena. Na noite de terça-feira, uma das mais movimentadas desde o início da operação-resgate, um fotógrafo e um soldado quase se desentenderam por causa de um banco, transformado em cama, diante da falta de abrigo para tanta gente. O fotógrafo, que sentara primeiro, venceu a contenda, mas cedeu a vaga ao receber de um colega um saco de dormir.