Título: IMIGRAÇÃO, O MOTOR DO CRESCIMENTO DOS EUA
Autor: Dorrit Harazim
Fonte: O Globo, 08/10/2006, O Mundo, p. 50

País chega ao marco recorde de 300 milhões de habitantes mas americanos vêem poucos motivos para celebrar

Falta pouco. A grande virada está prevista para meados de outubro, possivelmente para a manhã do próximo dia 16. É quando deverá vir ao mundo, em algum ponto do território americano, o bebê que fará o relógio populacional dos Estados Unidos cravar uma marca histórica: 300 milhões de habitantes. A metodologia que rege a projeção do U.S. Census Bureau se baseia em três parâmetros básicos: nascimentos, mortes e imigração. Para este mês de outubro estão previstos um nascimento a cada sete segundos, uma morte a cada 13 segundos e uma entrada de imigrante a cada 31 segundos. Resultado do algoritmo: 1 habitante a mais a cada 11 segundos.

A projeção só computa a população residente num dos 50 estados americanos ou no Distrito de Columbia, sede da capital do país, e não inclui membros das Forças Armadas nem familiares servindo no exterior. Também exclui cidadãos americanos que residem fora dos Estados Unidos.

Mas o censo escancara o componente demográfico mais marcante do crescimento populacional: a imigração, hoje responsável por 40% do salto que faz dos Estados Unidos o terceiro país mais populoso do mundo, atrás apenas de China (1,3 bilhão) e Índia (1,09 bilhão)

População aumenta mais rapidamente

Desde que a nação americana começou a contar sua gente em 1790, os grandes saltos têm se dado em intervalos cada vez menores. Para chegar aos primeiros cem milhões de habitantes, os Estados Unidos levaram 139 anos. Tiveram de esperar apenas outros 52 para saudar os 200 milhões em 1967, com comemorações que pareciam não ter fim. O intervalo de agora encolheu para meros 39 anos e a contagem regressiva não parece arrebatar ninguém. A América que chega à marca dos 300 milhões está mais introspectiva, cautelosa, quase sombria. Marcada pela implosão de sua soberba pelos atentados do 11 de setembro de 2001 e atolada numa guerra sem rumo da qual não consegue se extirpar, a nação não vive tempos para festejos.

A multinacional Gerber Products Co., fabricante de alimentos e produtos para bebês, planejava pelo menos tirar do anonimato essa tricentésima milionésima criança, centralizando nela um pouco de orgulho nacional. Procurou os matemáticos do Censo para saber se seria possível identificá-la, imortalizando seu nome, rosto, imagem. Mas não será possível. A projeção do marco dos 300 milhões resulta de um algoritmo e não do registro físico de cada nascimento em solo americano. O que há são teorias especulativas extraídas de uma montanha de estatísticas demográficas, com resultados para todos os gostos.

O demógrafo William Frey, da Brookings Institution, é taxativo: levando-se em conta o segmento que mais cresce nos Estados Unidos, a área de maior concentração desse segmento e a prevalência de nascimentos do sexo masculino nesse segmento, o futuro bebê será um menino, latino, da região metropolitana de Los Angeles, Califórnia. Errado, sustenta o demógrafo Mark Mather, do Population Reference Bureau, ouvido pelo jornal Los Angeles Times. Em números absolutos, as mulheres brancas não-latinas ainda são maioria nos Estados Unidos e por isso o bebê-ícone pode muito bem ser um loirinho de olhos azuis nascido num subúrbio do Meio-Oeste. Ou ainda sequer ser um bebê nascido na América.

Segundo as estatísticas, há duas chances em cinco de o relógio populacional ser acionado por um imigrante adulto, documentado ou não ¿ um entre tantos que continuam a cruzar a fronteira em busca de uma América para si.

São duas as tendências demográficas que redesenham a história e a geografia americanas às vésperas deste seu terceiro salto populacional: migração e imigração. As duas estão umbilicalmente ligadas. Hoje, mais da metade da população reside nos estados do Sul e do Oeste, despovoando o nordeste e o meio-oeste, outrora sinônimos de poderio e vitalidade industrial. Basta listar os cinco estados americanos de maior crescimento demográfico dos últimos quinze anos ¿ Nevada, Arizona, Colorado, Utah e Idaho. Todos do Oeste. Mais recentemente, a arrancada chegou ao sul do país, com Flórida, Geórgia, Carolina do Norte e Texas liderando a lista. Enquanto isso, o estado de Massachusetts, ícone da base industrial em extinção, vê sua população minguar pelo sexto ano consecutivo.

O fato de 53% dos novos 100 milhões de americanos serem imigrantes de primeira ou segunda geração altera substancialmente o conceito de diversidade na cultura, política e economia do país. Diversidade, nos Estados Unidos, deixou de ser uma equação social em preto e branco a partir de 1965, quando o então presidente Lyndon Johnson assinou a Lei de Imigração e Naturalização que aboliu o antigo sistema de cotas raciais e étnicas para novos imigrantes.

Um milhão de ilegais cruzam a fronteira por ano

Foi um ponto de inflexão sem retorno na textura do país. Com cerca de 1 milhão de imigrantes ilegais cruzando a fronteira todo ano e mais de 40% de mexicanos ¿ algo como 42 milhões de pessoas ¿ se declarando dispostos a morar nos Estados Unidos se lhes fosse dada a oportunidade, não espanta que sejam escassas as comemorações pela virada do marco populacional deste mês.

Para o deputado republicano Tom Tancredo, do Colorado, uma das vozes mais xenófobas em Washington, o país está literalmente sitiado. E com a segurança minada. ¿Uma guerra em grande escala se prepara na fronteira mexicana e nosso estilo de vida estará ameaçado se não vencermos a batalha de Laredo¿, proclamava no ano passado um de seus seguidores, referindo-se a um hipotético número de islâmicos que teriam se instalado naquela cidade fronteiriça, aprenderam espanhol e começavam a se inserir na cultural local.

Na verdade, o que ocorreu até agora, no quesito segurança e defesa da nação, foi o inverso. Mais de 33 mil não-cidadãos americanos integram as Forças Armadas dos Estados Unidos desde que o presidente George W. Bush assinou decreto oferecendo a cidadania para quem se alistar. Três meses atrás, Bush presidiu a outorga da cidadania a três soldados retornados do Iraque, dois deles com as pernas amputadas. O terceiro sofre de ferimentos graves. A cerimônia teve de ser realizada nas dependências do hospital militar Walter Reed.