Título: Muita meta e pouco método
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 08/10/2006, O Globo, p. 2

Nem Lula nem Alckmin parecem ter se preparado para o segundo turno. Talvez nem o eleitorado, que, segundo a pesquisa Datafolha, recolocou a disputa no patamar em que estava antes de domingo passado. Na segunda-feira da ressaca, as duas campanhas tratavam de construir às pressas suas estratégias para a nova situação. Lula revelou mais habilidade no primeiro lance, o da ampliação de alianças, mas a campanha nem começou na TV. O vetor ético é importante, mas eles agora devem ao eleitorado um debate qualificado sobre suas diferenças programáticas.

Lula, que amarga o arrependimento por ter recusado o apoio de Ulysses Guimarães no segundo turno de 1989, desta vez não titubeou e já na segunda-feira buscava novos aliados. Mas teve o cuidado, por exemplo, de conversar com Crivella, Jandira Feghali e Vladimir Palmeira antes de se reunir com Sérgio Cabral e com o senador eleito Francisco Dornelles. Diferentemente do que fez Alckmin ao aceitar o apoio dos Garotinho, sem acertar-se antes com Cesar Maia e Denise Frossard, seus principais aliados no Rio. Em vez de ir à Bahia visitar ACM, que saiu derrotado, sem avisar antes o líder tucano local, Jutahy Júnior, podia ter visitado um aliado vitorioso que lhe ajudou tanto, como Aécio Neves. Ou ido ao Rio Grande do Sul, onde Yeda Crusius fez bonito e ele mesmo foi tão bem votado. O erro cometido no Rio jogou a campanha tucana numa agenda negativa, enquanto a de Lula recobrava o ânimo ao atrair novos aliados. Nada de espetacular, como o apoio de Ciro Gomes em 2002. Mais do mesmo, mas nada corrosivo como a aliança com Newton Cardoso em Minas no primeiro turno.

Já os primeiros movimentos do eleitorado, captados pela pesquisa Datafolha divulgada sexta-feira, não parecem guardar qualquer relação com esses acordos de cúpula. As duas campanhas festejaram o resultado, mas os tucanos esperavam algo melhor. Aritmeticamente, pode-se dizer que os dois cresceram em relação ao votos colhidos no domingo. Alckmin saiu dos 41% de votos válidos obtidos no pleito para 46%. Crescimento de cinco pontos percentuais. Lula, de 48% para 54%: ganhou seis pontos. Isso indica que os votos de Heloísa Helena, Cristovam e outros começaram a se distribuir quase que igualmente entre os dois. Mas os desafios deles são diferentes, a começar pelo fato, bem sublinhado por Cesar Maia em sua carta eletrônica de sexta-feira, o ex-blog, de que Alckmin precisa conquistar todos os eleitores que votaram em Heloísa e Cristovam no primeiro turno. Admitindo que isso é improvável, lembrou o prefeito que 10% dos votos dados aos dois vencedores do primeiro turno são tradicionalmente voláteis. Isso possibilita a Alckmin a conquista de 4% dos eleitores de Lula. E vice-versa. Mas como Lula nada perdeu, isso não aconteceu ainda. Segundo a análise do prefeito, Alckmin ainda teria que, a partir de ¿uma campanha agressiva para desconstruir Lula¿, avançar sobre seus votos mais consistentes. No primeiro turno aconteceu, com a ajuda dos petistas do dossiê.

O candidato tucano continua batendo forte em Lula e seus programas eleitorais devem ser ardentes. Mas Lula, que no primeiro turno ignorou os ataques, agora vai contra-atacar. Começou obrigando o adversário a desmentir que vá reduzir ou acabar com o programa Bolsa Família. Em matéria de corrupção, contra o inventário dos desatinos petistas serão brandidas as denúncias da era FH e do governo Alckmin em São Paulo. Na sexta-feira à noite, após o PT encostar seu presidente numa licença e defenestrar os aloprados do dossiê, o próprio Lula perguntou pelo dinheiro das privatizações tucanas. Esse campeonato de corrupção reforça mesmo a percepção de que ela é inerente à política. Tem se dito que isso favorece Lula, mas, quando o eleitor jogou a eleição para o segundo turno, informou que não é bem assim.

Informou ainda que precisava de mais esclarecimentos. Por isso, Lula e Alckmin devem ao eleitorado um debate decente sobre suas diferenças programáticas. Elas são ininteligíveis para quem ouve um e ouve o outro sobre o que pretendem fazer. Ambos prometem maior crescimento da economia apontando como condição um melhor ajuste nas contas públicas. Não informam, porém, como buscarão isso. Com uma nova reforma previdenciária ou com uma reforma trabalhista que reduza o custo do emprego formal? Com demissão de servidores ou cortando outras despesas? Quais? E como vão melhorar a infra-estrutura do país? Ambos farão PPPs? Ambos falam, sem dar a receita, em reforma política e prioridade para a educação. Enfim, ambos apresentam muita meta e pouco método. Quando isso acontece, alguém está tentando enganar os eleitores. Talvez os dois.