Título: URNA ELETRÔNICA FAZ 10 ANOS SEM CONHECER CRIADOR
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 08/10/2006, O País, p. 23

Briga pela paternidade do equipamento entre TSE e o engenheiro Carlos Rocha começou na Justiça em 2002

BRASÍLIA. A urna eletrônica completa este ano uma década de uma história bem-sucedida e de serviços prestados ao país sem que se saiba ao certo quem é o pai da invenção. A briga pela paternidade da urna foi parar na Justiça Federal em 2002, sem previsão para terminar. Mas sua eficiência é indiscutível. Este ano, os brasileiros souberam do resultado oficial das eleições em todo país em tempo recorde: às 14h55m da segunda-feira, menos de 22 horas após encerrada a votação.

Por trás do sucesso estão os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral, que meses antes da eleição trabalham em regime de plantão. No domingo da eleição, eles reforçam equipes de plantonistas para resolver panes do sistema e no envio de dados das urnas. Este ano, um incidente no Acre deixou a equipe apreensiva. Normalmente, os dados das urnas são transmitidos via satélite para as zonas eleitorais. No interior do estado, a conexão com o sistema falhou e o disquete foi levado de barco. A viagem durou oito horas.

Barco afunda com equipamentos no Amazonas

Na véspera da votação, um barco que transportava uma urna eletrônica, um computador portátil e um aparelho de telefonia via satélite virou no Amazonas. A solução foi contratar um avião particular para levar os equipamentos.

No centro da disputa judicial sobre a paternidade da urna eletrônica está o engenheiro Carlos Moretszohn Rocha que, em 1996, trabalhou na criação do equipamento, pediu o registro da patente. O TSE fez o mesmo, alegando que a máquina havia sido concebida por seus técnicos. Um ano antes, o TSE montara uma comissão interna de técnicos para trabalhar na criação da urna.

A idéia era ter um equipamento à prova de colisões, resistente a variação de clima e temperatura, de simples manuseio e à prova de fraudes. Com a concepção pronta, contratou a empresa Unisys, que subcontratou a Omnitech, então comandada por Carlos Rocha.

¿ Fizemos o primeiro produto, aquele que se tornou padrão ¿ alega Rocha.

¿ O projeto é do TSE. A empresa dele só executou uma idéia nossa ¿ rebate o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino.

Se vencer a disputa, Carlos Rocha poderá ganhar milhões em royalties pelo uso da urna eletrônica a cada eleição. Mas ele garante que esse não é seu objetivo. Diz que quer apenas o reconhecimento.

¿ A Justiça Eleitoral é um orgulho para o Brasil. Nunca faria nada para prejudicar o TSE. Não vejo problema nenhum em ceder direitos de uso da patente ao tribunal ¿ explicou ele.

A primeira tentativa de fabricar uma urna eletrônica foi do inventor Sócrates Ricardo Puntel, que apresentou sua máquina à Justiça Eleitoral na década de 60. O equipamento não funcionou. Em 78, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais levou um protótipo ao TSE que também não foi usado.

Primeira eleição informatizada foi em 95

A primeira eleição informatizada ocorreu em 12 de fevereiro de 95, no município de Xaxim, em Santa Catarina, para os cargos de prefeito e vice-prefeito. No mesmo ano, o TSE reuniu um grupo de técnicos do Centro de Tecnologia Aeronáutica (CTA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Eles fizeram um projeto para informatizar a eleição em todo o Brasil. No ano seguinte, a urna eletrônica estreou em 57 municípios e, em 2000, já estava em todos os municípios brasileiros. Hoje, o sistema está presente também em outros seis países.

¿ Fico feliz com isso. Dá para sentir orgulho do trabalho que fizemos ¿ declarou o ex-ministro Carlos Velloso, que presidia o TSE em 1996.

O Brasil é o único do mundo a ter o sistema eleitoral completamente informatizado. Por isso, já exportou a tecnologia para seis países da América Latina: Argentina, México, Equador, Costa Rica, República Dominicana e Paraguai. Este último recebeu como doação 17 mil urnas brasileiras usadas nas eleições deste ano.

Na próxima eleição, a Justiça Eleitoral pode inovar em mais uma frente. Será testado em algumas cidades um novo equipamento para identificação digital. Nessa área, a tecnologia brasileira ultrapassa os sistemas utilizados nos Estados Unidos e na Índia.

A informatização do voto não existe nos EUA. Naquele país há um sistema de votação para cada estado: voto manual, com cédulas de papel preenchidas a caneta, cédulas assinaladas com furos, e o eletrônico. Essa diversidade é responsável pela demora na apuração dos votos.