Título: PLANO DE VÔO DESMENTE PILOTOS DO LEGACY
Autor: Bernardo de la Pena, Chico de Gois e Regina Alvare
Fonte: O Globo, 10/10/2006, O País, p. 16

Infraero explica que, em caso de falha de comunicação, altitude prevista teria obrigatoriamente que ser mantida

Regina Alvarez

BRASÍLIA, CUIABÁ, RIO e NOVA YORK. O delegado Luciano Inácio da Silva, que conduz o inquérito na Polícia Civil de Mato Grosso sobre o desastre aéreo entre o Legacy e o Boeing 737-800, confirmou ontem que o plano de vôo do jatinho da Embraer previa a altitude de 37 mil pés somente no trecho entre São José dos Campos e Brasília, onde a aeronave deveria baixar para 36 mil e passar a 38 mil entre Teres (a 480 km de Brasília) e Manaus. Os detalhes do plano de vôo, exibido pelo programa ¿Domingo Espetacular¿ da TV Record, desmentem os depoimentos dos pilotos americanos do jato, Joseph Lepore e Jan Paladino. Eles disseram à polícia que o plano de vôo só previa a altitude de 37 mil pés ¿ a mesma do Boeing da Gol que vinha no sentido contrário.

Diante da contradição, o delegado ouvirá novamente o piloto e o co-piloto. Mas, ainda esta semana, ele quer ouvir os controladores de vôo que trabalharam no dia do acidente:

¿ Precisamos saber por que os pilotos do Legacy estavam a 37 mil pés, se foram autorizados ou se voavam por conta própria.

Infraero: plano de vôo não pode ser alterado

O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, explicou que os pilotos do Legacy teriam que se comunicar com o Centro de Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta) nos chamados ¿pontos fixos compulsórios¿ entre São José dos Campos e Manaus. Esses pontos ¿ Brasília e Teres ¿ correspondem exatamente aos trechos onde o jato teria que mudar de altitude. Mas, independentemente de obter ou não contato com os controladores, o piloto deve continuar seguindo o plano de vôo.

¿ O piloto não pode alterar o plano de vôo por conta própria ¿ afirmou.

O brigadeiro descartou a possibilidade de falha na comunicação com o Cindacta 1, de Brasília, ou com o Cindacta 4, de Manaus:

¿ É inaceitável falar em falha de comunicação. A Aeronáutica fez todos os testes e não encontrou falha alguma.

Em caso de falha na comunicação, segundo o presidente da Infraero, o piloto deve acionar o código de emergência 7600 no transponder para alertar todos os sistemas de controle aéreo ¿ o que o Legacy também não fez, segundo o brigadeiro.

Pereira descartou a hipótese de a Embraer ter entregue um plano de vôo errado:

¿ Qualquer erro teria sido detectado pelo técnico que recebeu ou pelo sistema, que imediatamente rejeitaria.

A Embraer não quis comentar o plano de vôo.

Justiça Federal mantém passaportes retidos

O comandante Rui Torres, com mais de 20 mil horas de vôo e acostumado a pilotar entre São Paulo e Manaus, analisou o plano de vôo do Legacy e disse que as rotas e altitudes descritas no documento estão corretas e não dão margem a dúvidas:

¿ A altitude preferencial de 37 mil pés é de quem vem de Manaus para Brasília. Esse é o nível de vôo correto. Quem vai de Brasília para Manaus tem que voar em nível par, a 36 ou 38 mil pés. A 37 mil pés é que não podia.

Além disso, segundo Rui, em caso de falha na comunicação aviões modernos permitem aos pilotos alternativas de fuga:

¿ Ele poderia ter entrado no computador do piloto automático e pedido uma rota paralela, duas milhas à direita ou à esquerda. Nesse caso, mesmo a 37 mil pés, ele teria passado ao lado do Boeing.

Também para Franco Ferreira, coronel da reserva da FAB e especialista em segurança de vôo, em caso de falta de comunicação entre piloto e controlador de vôo, a legislação prevê que o piloto deve seguir três procedimentos: tentar fazer contato com outra aeronave; selecionar o código 7600 no transponder; e manter-se rigorosamente dentro do plano de vôo.

O juiz federal Charles Renaud Frazão de Moraes, responsável pelo inquérito que investiga a queda do Boeing após o choque com o Legacy, determinou ontem que a Polícia Federal mantenha retidos os passaportes dos pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino. O juiz determinou ainda que a embaixada americana informe à Justiça o endereço dos dois no Brasil. A Justiça do Mato Grosso havia tomado a mesma decisão antes de o caso passar a ser investigado também na esfera federal. A PF e o Ministério Público federal fizeram o novo pedido temendo que a defesa dos pilotos pudesse anular o outro despacho, facilitando a saída dos americanos do país. Na decisão de ontem, o juiz observou que o governo americano vem sofrendo pressões para que os passaportes dos pilotos sejam liberados.

Embora o Ministério Público tivesse solicitado que o juiz suscitasse de quem seria a atribuição de investigar e julgar o caso, Moraes preferiu solicitar que o juiz de Peixoto de Azevedo, onde foi instaurado um inquérito para investigar o caso na esfera estadual, enviasse o processo à Justiça Federal. Na opinião dele, o inquérito, por envolver aeronaves, deve ser tratado na esfera federal. Hoje, o delegado Renato Sayão, responsável pela investigação na PF, chega a Brasília para cuidar do caso. Ele deve ouvir amanhã os controladores de vôo que estavam trabalhando no momento do acidente.

Advogados americanos já estão no Brasil

Os jornais ¿New York Times¿ e ¿Herald Tribune¿ noticiaram ontem que advogados americanos contratados pelas famílias das vítimas estão conduzindo suas próprias investigações para determinar os responsáveis pelo acidente. De acordo com o ¿NYT¿, os advogados afirmaram que a investigação, paralela à que está sendo feita pelas autoridades brasileiras, será supervisionada pelo suíço Hans-Peter Graf, ex-piloto e engenheiro mecânico que atuou na empresa de aviação SwissAir.

A investigação paralela servirá para obter os dados necessários para ações civis que a empresa de advocacia pretende abrir nos EUA contra empresas que sejam apontadas como responsáveis pelo acidente. Segundo os advogados, de acordo com o resultado das investigações, tanto a ExcelAire quanto a Gol, assim como as empresas responsáveis pela construção dos aviões e dos sistemas anticolisão, podem ser alvo dos processos. O ¿Herald Tribune¿ informa que os advogados trabalham no escritório Leiff, Cabraser, Heman & Bernstein, com sede em São Francisco, e estão no Brasil com o objetivo de dar início ao pedido de indenização. Um dos advogados, Leo Hazan, disse que as investigações paralelas não pretendem sugerir falta de confiança no trabalho das autoridades.

¿ Mas relatórios oficiais, com freqüência, demoram muito ¿ disse, em Brasília, Leo Hazan.

* Enviado especial/ **Correspondente

COLABOROU Natanael Damasceno