Título: CONSUMIDOR PAGA DÍVIDA PARA TER MAIS CRÉDITO
Autor: Bruno Rosa, Luciana Rodrigues e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 10/10/2006, Economia, p. 27

Inadimplência cai e estudo mostra que volumes de empréstimos a pessoas físicas e a empresas empatarão este ano

RIO e SÃO PAULO. Na esteira do crescimento do crédito consignado, do recuo na taxa básica de juros e da queda na inflação, o volume de dinheiro emprestado a pessoas físicas deve superar a quantia destinada às empresas pela primeira vez na história já em 2007. Segundo estudo da consultoria Austin Rating, o volume emprestado aos consumidores chegará a R$286 bilhões ante R$270,8 bilhões das pessoas jurídicas em 2007. Este ano, o volume total deve praticamente empatar: R$238,4 bilhões para pessoas físicas e R$ 246,2 bilhões. Em 2000, mostra o levantamento, os empréstimos ao consumidor representavam apenas metade ¿ cerca de R$54 bilhões ¿ do valor tomado pelas empresas, de R$102 bilhões.

Ao contrário do que muitos analistas previam, no entanto, essa farra do crédito não está sendo sinônimo de calote recorde. A Serasa divulga esta semana pesquisa mostrando queda dos registros de inadimplência em setembro. Na margem, será o segundo mês consecutivo de retração, reforçando entre especialistas a avaliação de que o consumidor tem dado prioridade ao pagamento de dívidas. A queda em agosto chegou a 5,1%, em relação a julho.

¿ Provavelmente, está de olho no fim do ano; quer ter espaço para assumir novos compromissos ¿ acredita o assessor econômico da entidade, Carlos Henrique de Almeida.

Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a queda da inflação e dos juros permitiu maior planejamento familiar.

¿ O crédito consignado impulsionou a competição entre os bancos, que passaram a investir em novas linhas para as pessoas físicas. Além disso, as empresas estão buscando alternativas no mercado de capitais como, por exemplo, o lançamento de ações e o aumento de captação de recursos através da emissão de títulos ¿ explica Agostini.

Com renda retraída, a saída é o crédito

Para Miguel José Ribeiro de Oliveira, economista da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), os bancos passaram a investir pesado na pessoa física.

¿ Há um grande horizonte ainda para aumentar o volume de crédito entre os consumidores. Além disso, as taxas de juros são mais elevadas em relação ao que é oferecido às empresas. Por isso, o interesse entre as instituições financeiras é crescente ¿ diz ele.

Segundo relatório da Anefac, o juro cobrado às pessoas físicas foi de 7,48% ao mês em agosto contra 4,28% ao mês entre as empresas no mesmo período. Para Oliveira, apesar da diferença entre as taxas, a taxa básica Selic (hoje, em 14,25% ao ano) já começa a ter reflexos no varejo.

¿ A taxa básica de juros já teve sua décima queda consecutiva, mas o repasse ao consumidor ainda é muito pequeno. Como não há renda suficiente para consumir, o único jeito é recorrer ao crédito ¿ afirma Oliveira.

Carlos Thadeu de Freitas, chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), faz coro com Oliveira. Para o ex-diretor do Banco Central, a pessoa física não tem opções além do crédito bancário. Segundo números do Banco Central, o crédito utilizado pelas pessoas físicas aumentou 23,4% nos últimos 12 meses até agosto. Já entre as pessoas jurídicas, a alta foi de 15,5%.

Bancos como o Itaú já mostram o reflexo da mudança. A carteira de crédito da instituição para pessoa física fechou o primeiro semestre em R$34 bilhões, um crescimento de 49% em relação ao ano anterior. Já a carteira de empresas, fechou o primeiro semestre com R$36,1 bilhões, um aumento de 14% comparado a igual período de 2005.

Empresas buscam alternativas de mercado

No Banco do Brasil (BB), o crédito consignado cresce no ritmo de 150% ao ano, segundo Aldo Luiz Mendes, vice-presidente da área de Finanças da instituição. Em dezembro de 2005, o banco tinha um estoque R$3,8 bilhões em financiamento desse tipo. O volume chegou a R$6 bilhões em junho de 2006 e deverá alcançar R$7 bilhões em outubro.

A expansão do crédito no Brasil nos últimos anos foi voltada principalmente para o consumo, enquanto o financiamento à produção e a novos investimentos da indústria não teve o mesmo impulso. E, na avaliação de Mendes, o potencial para este tipo de captação é via mercado de capitais, ou seja, através da emissão de debêntures ou ações em bolsa, e não por meio de operações diretas de crédito às empresas.

Em seminário no Rio ontem, o executivo do BB destacou que, este ano, a emissão de debêntures e outros títulos de renda fixa deve superar R$20 bilhões. Mesmo reconhecendo que boa parte desses papéis foi emitida por empresas de leasing ¿ e acabou sendo usada pelos bancos, em suas tesourarias, para financiar o crédito ao consumidor ¿ o vice-presidente do BB garante que houve crescimento expressivo das debêntures de empresas do setor produtivo.

Mendes estima ainda que a emissão de ações vai ultrapassar R$25 bilhões este ano, incluindo aberturas de capital e lançamento de papéis no mercado secundário.

¿ O mercado de capitais supre a ausência de crédito, pois no Brasil só há financiamento de longo prazo disponível no BNDES ¿ afirmou.

Para ele, a enorme liquidez internacional propiciou a expansão do mercado de capitais no Brasil. Algumas empresas estão trocando endividamento por participação acionária de investidores estrangeiros. E os recursos externos também ajudam no crédito ao consumidor: ao financiar o endividamento público, esses capitais liberaram dinheiro para o setor privado.

E os próximos meses são de renda extra para o consumidor. Pelas contas do economista Marcio Pochmann, da Unicamp, o pagamento do décimo terceiro vai injetar R$48,1 bilhões na economia até dezembro, R$2,8 bilhões a mais do que em 2005.