Título: TODOS CONTRA A CORÉIA DO NORTE
Autor: Helena Celestino e Gilberto Scofield
Fonte: O Globo, 10/10/2006, O Mundo, p. 31

Mundo condena com veemência testes nucleares de Pyongyang e Washington propõe sanções

Oteste nuclear realizado pela Coréia do Norte na manhã de ontem (noite de domingo no Brasil) conseguiu unir o mundo num raro consenso, com a prova sendo criticada da Venezuela ao Japão. O Conselho de Segurança da ONU foi unânime ao condenar o teste, e os Estados Unidos anunciaram que preparam um projeto de resolução com sanções ao país por ter violado os acordos internacionais.

¿ Condenamos fortemente o teste nuclear, exigimos que a Coréia do Norte suspenda os testes e volte à mesa de negociações ¿ disse o presidente do conselho, o embaixador do Japão, Kenzo Oshima.

Mais cedo, a Coréia do Norte informara sobre o teste. A ação pode provocar uma corrida armamentista na região e deve isolar ainda mais Pyongyang.

¿Nosso centro de ciência e pesquisa realizou de forma segura e bem-sucedida um teste nuclear subterrâneo¿, informou a agência estatal norte-coreana. ¿Isso marca um evento histórico¿.

A prova abriu uma crise internacional, e logo após consultas informais, a diplomacia americana fez circular seu projeto de resolução, pelo qual a comunidade internacional estaria autorizada a inspecionar todas as cargas exportadas ou importadas pela Coréia do Norte, para verificar se armas de destruição em massa estão entrando ou saindo do país. Num texto com 13 pontos, os EUA também prevêem o congelamento dos fundos financeiros norte-coreanos e a suspensão do fornecimento de todo material que possa ser usado no programa nuclear. O embaixador dos EUA na ONU pretende levar as sanções para a aprovação imediata dos 15 membros do Conselho de Segurança.

¿ Não vi nenhum defensor da Coréia. Todos os 15 membros do conselho condenaram o teste. A reunião só durou 30 minutos e foi memorável ¿ contou o embaixador John Bolton.

Um golpe para a China

Segundo Bolton, a resolução fará menção ao Capítulo 7 da Carta da ONU, prevendo que as sanções sejam mandatórias e podendo ser implementadas pela força. O tom belicoso de Bolton não foi o mesmo do embaixador da China, Wang Guangya, que condenou o teste, mas pediu a volta da Coréia do Norte às negociações.

¿ Temos que reagir amigavelmente, as portas ainda estão abertas ¿ disse o embaixador do país mais próximo da isoladíssima Coréia do Norte.

Mas os testes foram considerados um golpe para a estratégia chinesa de usar incentivos econômicos para evitar que a Coréia do Norte se transformasse em potência nuclear. Em Pequim, o tom foi mais duro, com o governo denunciando o teste como ¿ato de insolência¿ e aconselhando Pyongyang a evitar ¿ação que possa piorar a situação.¿

Embora unânimes na condenação, mais uma vez o conselho se dividiu sobre como tratar a Coréia do Norte. Entre os cinco membros permanentes, Reino Unido, Estados Unidos e França são a favor das sanções, mas China e Rússia pediram cautela.

O embaixador japonês confirmou que punições não chegaram a ser discutidas na reunião. O teste nuclear é um desafio aberto ao conselho, que na sexta-feira emitiu um comunicado alertando sobre as conseqüências que ele poderia ter para o país. Uma resolução será provavelmente o próximo passo, mas o texto será exaustivamente negociado durante a semana.

¿ O show foi dos EUA ontem. Provavelmente será adotada uma resolução, mas os países precisam de um tempo para incorporar a nova situação ¿ disse um dos presentes à reunião.

O presidente George W. Bush considerou o teste ¿um ato de provocação¿, enquanto que Bolton disse ao Conselho de Segurança que um ataque à Coréia do Sul ou ao Japão seria considerado um ataque aos EUA, informaram fontes diplomáticas. Bush falou por telefone com os líderes de China, Coréia do Sul, Japão e Rússia, e todos concordaram que a ação era inaceitável.

¿ A transferência de armamento ou material nuclear pela Coréia do Norte a Estados ou entidades seria considerada uma grave ameaça aos EUA e atribuiríamos total responsabilidade à Coréia do Norte pelas conseqüências ¿ advertiu Bush.

A Rússia também condenou ¿incondicionalmente¿ o teste da Coréia do Norte ¿ uma antiga aliada da União Soviética.

¿ Não se trata apenas da Coréia, mas do grande dano que isso causou ao processo de não-proliferação de armas nucleares ¿ disse o presidente Vladimir Putin.

Aviso à Rússia 2 horas antes

Segundo fontes, Moscou foi informado sobre os testes com duas horas de antecedência, enquanto Pequim soube apenas 20 minutos antes.

O teste abriu uma crise na região. O premier Shinzo Abe, que defende a alteração da Constituição pacifista do Japão para que o país possa realizar ¿ataques defensivos¿, pediu uma resposta coordenada:

¿ O teste de armas nucleares por parte da Coréia do Norte é imperdoável. É preciso que a resposta seja calma, porém dura ¿ disse Abe.

O presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun, pediu uma reunião de emergência do Conselho de Defesa, enquanto o país elevava o estado de alerta. Os dois vizinhos já estavam em alerta desde sábado, quando uma série de 40 disparos de metralhadora foi a resposta do Exército sul-coreano a uma invasão de soldados norte-coreanos na zona desmilitarizada entre os países. ¿O ataque nuclear é um ato provocativo que merece uma resposta rigorosa¿, afirmou Seul.

O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, criticou os norte-coreanos por desafiarem a comunidade internacional, com um ato ¿completamente irresponsável.¿

O Irã, que vive ele próprio um impasse com a ONU sobre seu programa nuclear, não condenou os testes, mas disse que ¿apóia um mundo sem armas nucleares.¿ A Venezuela deu declaração semelhante, dizendo-se contra testes nucleares com fins militares ¿seja quem quer que os realize.¿

O temor agora, segundo especialistas, é que os testes provoquem uma corrida armamentista de Japão e Coréia do Sul, os alvos mais próximos de um possível ataque norte-coreano. Afinal, ainda estão frescas na memória dos japoneses a retaliação atômica americana na Segunda Guerra Mundial.

Com agências internacionais