Título: Para reagir, PT volta aos tempos de oposição
Autor: Fellipe Awi
Fonte: O Globo, 11/10/2006, O País, p. 13

No contra-ataque a Alckmin, Lula e assessores resgatam críticas antigas aos tucanos e temas como Alca e privatizações

Privataria, entreguismo, Alca, compra de votos para a emenda da reeleição, engavetamento de CPIs e até críticas ao presidente americano George Bush. Desde o início da campanha do segundo turno, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus assessores resgataram um vocabulário que vivia adormecido no PT desde os dias de oposição ao governo federal. É nesse ideário dos velhos tempos que os petistas estão se municiando para reagir aos ataques sistemáticos do candidato Geraldo Alckmin, do PSDB.

No debate de domingo, na TV Bandeirantes, Lula disse que o PSDB só sabe "privatizar ou aumentar impostos", citando até o caso da Vale do Rio Doce. Também comparou Alckmin a Bush quando foi questionado sobre sua política externa. Ontem, em entrevista a rádios, voltou a criticar a venda de estatais durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Cientista político: busca de votos mais ideológicos

Já o coordenador da campanha do petista, Marco Aurélio Garcia, disse que o programa do PSDB prevê uma retomada das privatizações e que os tucanos querem "tocar a Alca em frente", numa reedição das ameaças que segmentos mais à esquerda do partido faziam sobre a aproximação do governo tucano com a Área de Livre Comércio das Américas.

- O Lula voltou a botar na parede a velha fotografia de paradigma do antiimperialismo e do antientreguismo. É uma tentativa de pegar eleitores mais ideológicos da Heloísa Helena e do Cristovam Buarque e dar um aviso para as bases multiplicarem esse discurso. E isso já está acontecendo. Pela internet, por exemplo, já recebi várias manifestações nesse sentido - afirmou o cientista político Antônio Gaudencio, da USP, lembrando que o PT tomou o papel do PSDB ao tentar criar um clima de ameaça com a mudança de governo. - Os tucanos criaram o risco-Lula em 2002 e agora o PT está falando do risco-Alckmin.

Dentro do próprio PT tem gente insatisfeita com a retomada do discurso de oposição do partido. O deputado Paulo Delgado (PT-MG) acredita que a estratégia pouco contribui para a campanha de Lula. Pelo contrário: é ineficiente.

- Soa como um discurso vazio e artificial. A privatização da Telebras, por exemplo, foi importante e alguns membros do PSDB já reconheceram erros no processo de privatização. Temos que extinguir a agenda negativa e não alimentá-la.

Integrantes importantes do PSOL, como o deputado Chico Alencar (RJ) e o candidato derrotado ao governo de São Paulo pelo partido, Plínio de Arruda Sampaio, também não se sensibilizaram com a volta de Lula aos velhos temas da época em que eles mesmos faziam parte do PT. Ambos afirmaram que não há medidas práticas do governo que sustentem a guinada à esquerda.

- É só retórica eleitoral para trocar chumbo com o Alckmin - afirmou Plínio, militante histórico e um dos fundadores do PT.

- O Lula está recuperando o discurso de 2002, que está correto, mas existe uma fragilidade da prática no seus quatro anos no Planalto. Onde está a auditoria das privatizações que ele prometeu no início do seu governo? - completa Alencar.

O Lula voltou a botar na parede a velha fotografia de paradigma do antiimperialismo e do antientreguismo

ANTONIO GAUDENCIO, cientista político

Lula está recuperando o discurso de 2002, mas existe uma fragilidade na prática. Onde está a auditoria das privatizações?

CHICO ALENCAR, deputado