Título: Pilotos ignoraram normas da aviação civil
Autor: Paulo Sérgio Marqueiro/Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 11/10/2006, O País, p. 18

Americanos do Legacy não respeitaram regras que determinam altitude do avião a partir da Rosa dos Ventos

Além de não cumprirem o plano de vôo, os pilotos americanos do Legacy podem ter cometido outro erro. Segundo fontes do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), não foram respeitadas normas internacionais que estabelecem altitudes diferentes para aerovias de mão dupla, como a que estava sendo usada pelo Boeing 737-800 da Gol e pelo Legacy da Embraer no trecho entre Brasília e Manaus.

A convenção determina que, a partir do eixo norte-sul da Rosa dos Ventos, quando o avião voa com o nariz apontado para oeste, deve seguir em altitude par, como, por exemplo, os 36 mil pés (entre Brasília e o marco Teres) e os 38 mil pés (entre Teres e Manaus), determinados no plano de vôo. Durante todo o trajeto, até a colisão, o Legacy manteve os 37 mil pés adotados desde a decolagem em São José dos Campos (SP), segundo depoimento dos próprios americanos. No sentido oposto, o piloto tem de optar por uma altitude ímpar - como era o caso do Boeing da Gol.

Pilotos brasileiros usam siglas para memorizar regra

Segundo uma fonte do Decea, trata-se de uma convenção internacional, determinada pela Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci). Os pilotos brasileiros costumam até usar duas siglas para lembrar a regra: "Nei" e "Sopa":

- A sigla Nei significa: de norte para este (leste), é ímpar. Já Sopa quer dizer: de sul para oeste, é par. Isso tem que ser respeitado sempre.

Em aerovias de mão única, no entanto, a regra das altitudes pares e ímpares não vale. Por isso, entre São José dos Campos e Brasília, apesar de o avião estar indo de sul para oeste, o plano previa um vôo a 37 mil pés. Neste caso, os aviões seguem numa mesma direção com variações de altitude de mil pés - independentemente de estarem num nível par ou ímpar.

Há, no entanto, países onde a regra da Rosa dos Ventos não vale. Um piloto da Embraer, que não quis se identificar, lembrou o caso do Chile, devido à sua geografia peculiar:

- O país é estreito demais, se estende quase todo em cima do eixo norte-sul.

As normas e os procedimentos de tráfego aéreo no Brasil estabelecem que, em caso de falha de comunicação entre o controle de vôo e a aeronave, o piloto tem de seguir rigorosamente o plano de vôo aprovado. A afirmação é do coronel aviador da reserva da FAB João Luiz de Castro Guimarães, ex-chefe da Divisão de Investigação do Departamento de Aviação Civil (DAC). Ele foi responsável pela apuração de acidentes como o do Fokker da TAM que caiu em São Paulo em 1996, matando 99 pessoas.

- É obrigatório cumprir o plano de vôo. O piloto não pode mudar a plano de vôo, a não ser com explícita autorização do controle - afirma.

Segundo o ex-chefe do DAC, a legislação brasileira segue as normas da Oaci. Ainda de acordo com João Luiz, os EUA também controlam o tráfego aéreo com base nas mesmas regras. Ele explica que, no caso em questão, não existe diferença significativa de procedimentos entre os dois países. Para João Luiz, a principal dúvida a ser esclarecida é: por que os pilotos americanos estavam voando a 37 mil pés, altitude diferente da determinada no plano de vôo?

- Pelo depoimento, eles parecem convencidos de que estavam na altitude certa.

A falta que faz o celular na selva

O jornalista Joe Sharkey, que estava a bordo do Legacy, voltou a falar sobre o acidente no "New York Times". Sob o título "Lições que aprendi em meus 15 minutos de fama", Sharkey, que assina a coluna "On the Road", lamenta não ter levado "um celular que funcionasse internacionalmente". Após o pouso de emergência na Base Aérea do Cachimbo, ele diz ter usado um aparelho emprestado pelo piloto.

Já o jornal "Newsday", também americano, publicou ontem uma reportagem afirmando que não foram os pilotos americanos Joe Lepore e Jan Paladino que prepararam o plano de vôo do Legacy. A matéria é baseada no depoimento que os americanos deram à polícia de Mato Grosso. Eles disseram que o plano de vôo foi preparado pela Embraer, que vendeu o avião à Excel Aire. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, independentemente de a Embraer ter feito ou não o plano de vôo para o Legacy, o piloto é o responsável, já que ele assina o documento.