Título: Coréia do Norte dispara ameaças
Autor: Helena Celestino/Gilberto Scofield Jr
Fonte: O Globo, 11/10/2006, O Mundo, p. 39

Governo diz que pode lançar mísseis atômicos, e Pequim concorda com necessidade de sanções

Depois do teste, a chantagem e a ameaça. Um dia após a Coréia do Norte anunciar a realização de seu primeiro experimento com uma bomba nuclear, um funcionário de alto escalão do governo de Pyongyang afirmou ontem que o país está disposto a lançar mísseis equipados com armas atômicas - sem especificar contra quem - caso os EUA não façam concessões numa provável mesa de negociações. Washington, no entanto, garantiu que não se dobrará à intimidação norte-coreana e que manterá "opções militares sobre a mesa", enquanto a China se juntava à comunidade internacional no pedido de uma resposta firme a Pyongyang.

Mais cedo, um alto funcionário do governo da Coréia do Norte em Pequim dera a declaração polêmica à agência de notícias da Coréia do Sul, Yonhap. Segundo ele, o país deseja conversar diretamente com os EUA.

- Tudo depende de como os EUA reagirão - afirmou a fonte. - Esperamos que a situação chegue a um acordo antes de um episódio infeliz, como um disparo de míssil nosso. Politicamente e diplomaticamente, é nossa intenção encarar face a face os EUA numa mesa de negociações.

Mas o embaixador americano na ONU, John Bolton, disse que os EUA não se dobrarão diante da fanfarronice da Coréia do Norte. Ele não descartou a possibilidade de uma ação militar, incluindo um bloqueio naval.

- Esse é o jeito típico deles: intimidação e ameaça. Já funcionou no passado, mas não vai funcionar mais - disse Bolton.

Mais moderada, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, afirmou que os EUA não tolerarão uma Coréia do Norte nuclear, mas que o importante é que a comunidade internacional está unida para aprovar sanções.

China e Rússia contra ação militar

A diferença de tom é enorme, mas a imposição de sanções já é quase um consenso entre os países-membros do Conselho de Segurança da ONU, que ontem se reuniram de novo para discutir o texto da resolução que pretende ser a resposta ao teste. De forma mais suave do que os americanos, mas numa radical mudança de posição, o embaixador chinês, Wang Guangya, concordou pela primeira vez que "ações punitivas são apropriadas", mas se opôs a uma resposta militar.

- Precisamos de uma resposta firme, construtiva, apropriada, mas prudente - acrescentou Wang.

Em Pequim, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Liu Jianchao, afirmou que, embora o governo pretenda manter sua política amigável com Pyongyang, o teste nuclear afetará a relação entre eles:

- Sem dúvida terá um impacto negativo.

China e Rússia sempre foram os únicos países com direito a veto no conselho a ficar do lado da Coréia do Norte, mas desta vez só Moscou ainda não disse sim às punições. Como Pequim, Moscou se opõe ao uso da força.

Os dois países ainda tentam abrandar as punições duríssimas listadas por EUA e Japão. A autorização do uso da força, em caso de descumprimento da resolução, vem sendo defendida por americanos e japoneses - e, com menos ênfase por França e Reino Unido. Esse era o principal ponto de discórdia quando as portas se fecharam na sala do Conselho de Segurança depois das negociações de ontem.

Um dos participantes do conselho disse que a China quer tirar do texto a inspeção das cargas exportadas ou importadas pela Coréia do Norte. Mas o Japão pretende acrescentar a proibição de barcos e aviões norte-coreanos aportarem ou aterrissarem em qualquer lugar do mundo.

- EUA e Japão colocaram no papel um texto maximalista, jogando a imagem de firmeza e deixando para os russos e chineses o ônus de cortar exageros - contou um diplomata.

O presidente do Conselho de Segurança este mês, o japonês Kenzo Oshima, disse que ainda não há data para a votação da resolução, mas que o sentimento geral é de que será logo.

- Se a Rússia não tiver novas propostas, pode ser votado até amanhã (hoje) à noite - disse um diplomata.

De 2003 até o ano passado, EUA, Coréia do Sul, Japão, Rússia e China tentaram desarmar a bomba-relógio do programa nuclear norte-coreano, sem sucesso. Em novembro, os coreanos abandonaram as conversas. Pyongyang passou a exigir conversas bilaterais com Washington, sempre rechaçadas pelo governo Bush.

- Não temos mais nada a perder - disse a fonte norte-coreana. - E sanções não serão uma saída.

Apesar das negativas da China de que a situação vá fugir ao controle, Pequim anulou a dispensa das tropas militares ao longo da fronteira com a Coréia do Norte. As tropas em Jilin foram mobilizadas para reocupar seus postos, e fala-se em exercícios de defesa contra armas químicas na região.

À noite, a TV japonesa NHK informou que a Coréia do Norte parecia ter realizado um novo teste nuclear. Fontes do governo japonês contaram ter detectado um tremor e investigavam a possibilidade de um segundo teste. A Coréia do Sul, porém, negou qualquer abalo sísmico na Península Coreana.

Washington põe teste em dúvida

A Casa Branca, por outro lado, levantou dúvidas sobre o teste nuclear, lembrando que fazem apenas dois anos que os inspetores da ONU deixaram a Coréia do Norte.

- Alguém realmente acredita que eles fizeram isso tudo em dois anos? - perguntou o porta-voz Tony Snow.

Contrariando estimativas russas de que a explosão poderia ter chegado a 15 quilotons, especialistas americanos acham que ela pode não ter ultrapassado meio quiloton - o equivalente a 500 toneladas de TNT. Alguns chegaram a estimar em 200 toneladas.

Entre as razões para uma explosão menor, especialistas apontaram quatro possibilidades: na considerada mais provável, somente parte do núcleo teria explodido; uma chance pouco provável é que tenham desenvolvido um artefato menor e mais sofisticado; Pyongyang pode ter usado menos material nuclear; ou, ainda, ter usado explosivos convencionais.

Um diplomata norte-coreano admitiu ao jornal "Hankyoreh" que a prova nuclear foi em escala menor que o esperado. "Mas o êxito de uma prova em menor escala significa que é possível realizar outra de escala maior".

Com agências internacionais