Título: `EU NÃO TERIA PRIVATIZADO A VALE E NEM AS TELES ¿
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Fonte: O Globo, 12/10/2006, O País, p. 10 e 11

Presidente desautoriza Tarso Genro, diz que Previdência precisa ser discutida, mas que ninguém conseguirá desvincular os benefícios do salário mínimo

Presidente, o ministro Tarso Genro tem procurado empresários para falar da necessidade de uma reforma da Previdência. E ele chegou a falar publicamente em romper alguns direitos adquiridos. Por que, havendo no governo a consciência de que uma nova reforma da Previdência é necessária, este assunto não é tratado na campanha e, quando tratado, é para acusar o adversário de propor algo que o próprio governo sabe que é necessário?

PRESIDENTE LULA: Primeiro, eu não faço avaliação de fala de ministro. O Tarso Genro não pode, em hipótese alguma, dizer que vai mexer em direitos adquiridos, porque essa é uma posição do presidente da República e do governo que nós não temos. Não sei se o Tarso conversou com empresários, não tenho essa informação. É melhor perguntar o que penso a respeito, porque eu lhe digo, sem precisar julgar a fala do Tarso.

Imaginei que ele se pronunciou em nome do governo.

LULA: Precisamos fazer muitas reformas no Brasil. Não concluímos ainda a reforma agrária, não concluímos a reforma tributária, se bem que a parte do governo federal foi votada; falta a parte referente aos governos estaduais. Fizemos a reforma da Previdência do setor público e precisamos discutir a questão da modernização dos direitos trabalhistas e da Previdência, mas sem jogar nas costas dos aposentados a responsabilidade por erros que foram cometidos ao longo da História do Brasil com a Previdência Social. É importante levar em conta que a Previdência, há algum tempo, tinha muito dinheiro. E, por ter muito dinheiro, se utilizou aquele dinheiro para construir Brasília, para construir a Transamazônica, para construir a Ponte Rio-Niterói. E agora não podemos responsabilizar os trabalhadores que contribuem legalmente com a Previdência para pagar mais uma vez. Estou convencido de que não precisamos criar, em relação a isso, um trauma nem uma profissão de fé. Estou convencido de que precisamos, primeiro, acreditar que a economia brasileira vai crescer; com o crescimento econômico, poderemos ter mais gente contribuindo para a Previdência. É preciso, urgentemente, cobrarmos a Previdência sobre o faturamento, e não sobre a folha de pagamento, porque vamos gerar muito mais empregos com isso. E acredito que vamos resolver o problema da Previdência sem transformar isso num trauma. Pretendo, no novo governo, se eleito, criar e fazer funcionar um comitê que envolva empresários, aposentados, trabalhadores da ativa e governo, para aprofundar, de forma minuciosa, a questão da Previdência Social.

No mundo inteiro, a Previdência Social é um problema. E ninguém gastou dinheiro em Transamazônica nem em Brasília. Um dos problemas, por exemplo, é a idade mínima, que não foi fixada. Este é um assunto que terá que ser tratado.

LULA: Não é só o problema da idade mínima. O problema é que, graças a Deus, o povo está vivendo mais e as pessoas começam a passar 15 ou 20 anos a mais recebendo benefícios. Eu sei que o mundo inteiro... Cada presidente que conheço tem o problema da Previdência para ser resolvido. Não precisamos fazer da Previdência um trauma, a ponto de dizer que não vamos mexer nela. Temos que mexer na Previdência. Agora, não existe uma solução mágica para a Previdência sem que façamos um profundo debate com a sociedade. Estamos convencidos de que uma parte dos problemas da Previdência será resolvida quando houver o crescimento econômico que eu desejo e que o Brasil inteiro deseja. E certamente deve haver outras coisas que precisam ser feitas na Previdência, que pode até ter um déficit, mas que não seja o déficit de R$40 bilhões. Ela deve ter um déficit que faça parte do cotidiano da economia brasileira.

O senhor admitiu que a Previdência precisa passar por novas reformas; o senhor deixou antever que se pretende fazer isso com reforma trabalhista, reduzindo o custo da folha de trabalho. Mas, se é assim, por que isso não é dito claramente na campanha eleitoral? Como se fosse um tabu... Dá a impressão de que não se informa claramente ao país como será enfrentado esse problema e o ajuste de contas.

LULA: Isso ocorre possivelmente porque, do ponto de vista eleitoral, este não seja um tema que o povo está cobrando. Façam uma pesquisa para saber o que o povo pensa da Previdência Social. Veja, quando você está no governo, você tem a responsabilidade... Nós sabemos que temos que resolver. Agora, é importante saber também que temos uma política social que determina as condições para se atender uma centena de problemas. A reforma da Previdência, pertinente apenas àqueles que trabalham, é quase compatível com os trabalhadores que trabalham e pagam. O problema é que nós incluímos, por legislação, vários outros setores da sociedade que eu considero correto incluir. Isso vai gerar um déficit? Vai. Teremos que encontrar uma solução. Quando apresentamos, no Congresso, a Lei da Pré-Empresa, o que queríamos fazer? Queríamos que todas as pessoas que vendem alguma coisa na rua, que têm um carrinho ou qualquer coisa pudessem ter a sua contribuição, por menor que fosse, para a Previdência, para conquistar o seu direito previdenciário e, ao mesmo tempo, não ser perseguido pelos fiscais da prefeitura.

E desvincular o salário mínimo da Previdência? Isso não permitiria o aumento do salário mínimo?

LULA: Isso, meu caro, se tentou fazer desde a Constituição de 1988! Você sabe que, no Congresso Nacional, falar de aposentado é muito complicado. Eu me lembro do esforço que foi feito, na Constituição de 1988, para que se fizesse a desvinculação, o que não foi possível. E duvido que alguém consiga fazer isso por meio de projeto de lei no Congresso. É quase sagrado discutir a questão dos velhinhos. Lembro que toda vez que se discutia este assunto no Congresso não se encontrava guarida em mais do que meia dúzia de pessoas. Então, é preciso apenas sabermos o seguinte: vivemos num país democrático, com virtudes e defeitos. Portanto, essas coisas têm que ser feitas da forma mais madura possível. Quando enviei para o Congresso o projeto do Fundeb, era uma coisa tão consensual que pensei que seria aprovado em três meses. Já está lá há um ano e sete meses, e não foi aprovado. Quando encaminhamos a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, era uma coisa tão consensual, tão falava em verso e prosa por todos os partidos, por todos os deputados e empresários, que eu falei: bom, quando essa reforma chegar lá, eles vão aprovar por unanimidade, por acordo de liderança. Não foi aprovada.

Mas foi o PT que introduziu...

LULA: Não, não. Ninguém introduz nada no Congresso. Cada legislatura é uma legislatura. Não existe um comportamento ideológico no Congresso Nacional. Ele vota de acordo com o assunto. Vou citar outro exemplo: quando resolvemos fazer a reforma universitária, eu reuni no Palácio do Planalto 230 pessoas ligadas à universidade e disse para elas: esse projeto não é do governo; esse projeto é da sociedade. Acontece que cada cabeça é uma sentença. Então, cada um quer fazer uma emenda, cada um tem um amigo que acha que não pode ser assim. Mas essa é a graça da democracia. Também não podemos chorar.

Mas, em relação ao Fundef, o PT foi contra.

LULA: Não, Fundeb, não foi contra.

Fundef. Do governo Fernando Henrique.

LULA: O Fundef, meu filho... O Fundef foi uma coisa... Vamos esquecer o Fundef, porque ele já cumpriu sua tarefa.

Mas é a mesma coisa; trata-se de luta política.

LULA: Só estou dizendo, querido, que não é uma coisa de interesse meu. Eu não estou na escola. É uma coisa de interesse da sociedade brasileira. Está lá o projeto com o acordo de todo mundo, unanimidade junto aos educadores, unanimidade junto à grande maioria dos deputados e senadores, mas não votam. Possivelmente porque este é um ano eleitoral.

O Fundeb demorou para chegar ao Congresso porque houve uma divergência entre a Fazenda e o MEC...

LULA: Não, não demorou para chegar.

...tanto é que o Ministério da Fazenda...

LULA: Não, não demorou para chegar ao Congresso. Obviamente, há divergências. Agora, construímos uma proposta e enviamos ao Congresso. Se quisessem votar, poderiam ter votado, sabe?

Estávamos falando da prática do PT no passado, que hoje é reproduzida pela oposição, de, mesmo sendo a favor, em razão da luta política, não votar.

LULA: Gente, muitas vezes, o PT não votou... O PT votou coisa contra o governo. Em relação à Previdência Social (no início do governo Lula), tivemos problemas sérios dentro do PT, até porque o PT não é obrigado a concordar com tudo do governo. Acreditamos que, em relação a todas as matérias importantes, é preciso construir maioria no Congresso. Graças a Deus é assim, porque o Congresso, com defeitos e virtudes, é a consolidação do nosso processo democrático.

O que o senhor poderia fazer de diferente para ter um relacionamento mais ágil?

LULA: Não existe muita coisa para se fazer e não há relacionamento ágil com o Congresso Nacional. Basta olhar a democracia no mundo inteiro. Vamos pegar o caso do presidente Sarney. Nas eleições de 1986, o Sarney contou 23 governadores e 306 constituintes. Era a maioria absoluta. Quem criou mais caso com o Sarney do que o PMDB?

Presidente, a elite já aceita o senhor?

LULA: Eu não sei. É como torcida de futebol. De vez em quando eu fico pensando: por que em São Paulo tinha que haver tanto clube? Não podia ser apenas o Corinthians? Mas existe o são-paulino, o palmeirense, o santista... Por que no Rio tem que haver Flamengo, Botafogo, Vasco e Fluminense? É porque o povo tem opções! Então, não pergunto para nenhum setor se me aceita ou não.

Mas o senhor fala que a elite brasileira...

LULA: A elite brasileira, no meu governo, ganhou dinheiro. Os empresários ganharam muito dinheiro, as empresas progrediram muito, os bancos ganharam dinheiro e, sobretudo, ganharam muito dinheiro, porque já vi matéria escrita pela Miriam Leitão, com o microcrédito e o crédito consignado, que significaram muita coisa neste país. Não sei se será a elite ou não, mas quem se eleger será com os votos da maioria, independente de quem seja.

Houve um dado horroroso na última PNAD: aumentou, depois de 14 anos, o trabalho infantil. O senhor já conseguiu saber por que aumentou o trabalho infantil?

LULA: Já pedimos aos companheiros que fizeram a pesquisa a aprofundem para sabermos o que aconteceu, porque isso é inadmissível. Algumas explicações não me convencem.

Vamos falar sobre economia. O senhor disse no debate que o Brasil nunca cresceu tanto nos últimos vinte anos quanto agora. E não há nada que sustente isso. Mas o senhor disse que o Brasil está preparado para crescer. No seu primeiro governo, a média de crescimento do Brasil foi exatamente igual à média dos últimos vinte anos: medíocre, como foi a do Fernando Henrique, em oito anos, como vem sendo há vinte anos que o Brasil não cresce, ou cresce 2,5% ou dois e não sei o quê. O que está dando errado?

LULA: Aumente um pouquinho o nosso crescimento, acima da mediocridade. Seja parcimonioso.

Mas o que falta para o país crescer?

LULA: Falta fazer o que nós fizemos.

Se já fez, então não falta.

LULA: Só se constrói bem a casa se houver um alicerce bem sólido. Antes de fazer uma casa, primeiro você faz o alicerce. Não tenha medo de cavar um bom buraco, fazer tijolo sólido, massa boa, porque, se ele estiver bom, o resto vai embora. O que digo é que a situação macroeconômica brasileira nunca teve as bases que tem agora para darmos um salto de qualidade em crescimento.

O senhor acredita que não é necessária mais alguma reforma, apenas com o salto foi dado, nós temos condições de crescer?

LULA: Cada um tem uma opinião. Primeiro, pensaram que nós fracassaríamos: ¿Isso vai ser um desastre! O Brasil vai quebrar!¿ Não quebrou. Depois disseram que não ia dar certo a nossa política internacional. E nós vamos chegar ao final do ano com um superávit da balança comercial de mais de trinta e quatro bilhões de dólares.

Para crescer, é preciso investimento. E o investimento do governo brasileiro nos últimos anos tem sido o menor desde o pós-guerra. O investimento público do ano passado foi o menor em 40 anos.

LULA: Meus amigos, o último grande presidente da República a investir em infra-estrutura no Brasil chamava-se Ernesto Geisel. Por conta dos grandes investimentos do Ernesto Geisel, o nosso querido ministro da Economia, Mário Henrique Simonsen, abandonou... Ele nem pediu demissão; foi embora para o Rio, no governo Figueiredo, porque ele alertava o Geisel: a dívida que você está fazendo, não teremos como pagar.

E ele estava certo...

LULA: Nós estamos tentando recuperar isso. Este ano, gastamos em transporte todo o dinheiro da Cide: vinte e nove, que nós passamos para os Estados. E o restante, nós gastamos. Vou dizer o que estamos fazendo concomitantemente neste país. Nós estamos recuperando o processo das ferrovias no país. Estamos investindo... Concluímos a BR-381, de Minas Gerais, concluímos a BR-116, de São Paulo, falta apenas aquela serra encostada em São Paulo, que tem que ser feita em parceria, porque é o trecho mais caro. Estamos fazendo a BR-101 Sul, a BR-101 Nordeste e a BR-163, que vamos começar no ano que vem. Se eu citar as estradas para vocês, terei que dizer que trechos estamos fazendo. Estamos arrumando praticamente 17 aeroportos no Brasil. Basta andar pelo Brasil para ver que quase todos os aeroportos estão em obras. Vocês falaram em 22 portos. Na verdade, estamos fazendo um trabalho mais denso em onze portos que são os principais responsáveis por 90% das exportações brasileiras. Incentivamos a recuperação da indústria naval brasileira. E eu quero recuperar a Marinha Mercante, porque é uma vergonha o Brasil ter déficit de frete. É uma vergonha! Um país que quer crescer, exportar e comprar não pode depender de navio de bandeira estrangeira. E nos próximos dois anos, nós temos que dar conta da questão do gás brasileiro. Não podemos depender de gás importado, seja da Bolívia, seja... E por que precisamos de independência? Porque, com a independência, poderemos negociar preço mais barato. Eu encontrei o Evo Morales em Viena, depois de todas aquelas coisas que foram ditas. Eu falei: companheiro Evo, primeiro, eu compreendo a sua situação, porque se trata da única fonte de riqueza da Bolívia. Eu falei: Evo, agora há um problema sério. Você está com uma espada na minha cabeça. Você é dono do gás e está me dizendo que vai estatizá-lo, portanto vai impor condições ao Brasil. Então, vamos fazer o seguinte: eu vou colocar uma espada na sua cabeça também, porque, se eu não comprar o seu gás, você não terá para quem vender. Olhe o mapa da América do Sul e perceba que é difícil sair para a Venezuela ou para outro lugar. E, para você sair pela água, terá que passar pelo Rio Madeira, na parte brasileira. Portanto, deve prevalecer o bom senso, meu caro. Sugiro que os nossos ministros se sentem em torno de uma mesa de negociação. Vamos estabelecer o preço justo, porque o preço tem que ser justo. Eu não quero que a Petrobras aja como as empresas multinacionais agiam no começo da década de 50. Eu quero que a Petrobras aja como as empresas estão agindo hoje, no século XXI, pagando o preço justo, ganhando lucro justo. E estamos fazendo isso. Aos poucos, eles vão tomando consciência de que tem que ser assim. E não é apenas com o Brasil, não. Vocês viram que esses dias, na divisa com a Argentina, os sindicatos fecharam o gasoduto.

Vamos aproveitar para conversar sobre política externa, já que estamos falando sobre o Evo Morales?

LULA: Então, só para concluir este assunto, primeiro, eu tenho consciência de que o Brasil só crescerá se oferecermos ao investidor o potencial energético necessário para o crescimento; tenho consciência de que o Brasil só terá o crescimento que queremos se os nossos portos e aeroportos funcionarem bem. O Brasil tem uma chance excepcional agora, com a introdução da TV digital e com a possibilidade de termos aqui a produção de chips e semicondutores. Estamos numa condição extraordinária.

O senhor tem falado muito sobre privatização na campanha. Eu queria entender qual é o modelo de Estado que o senhor...

LULA: Não vou privatizar nada! Você quer saber isso?

Não, não. Eu quero saber qual é o modelo de Estado que o senhor defende. O senhor não teria privatizado as teles ou não teria privatizado a Vale? Qual é a sua visão atual em relação a isso?

LULA: Eu não teria privatizado a Vale. Fique certo que não.

Não? Com todo o sucesso que hoje a Vale tem? O senhor acredita que o Estado teria condição de...

LULA: Veja, eu não teria privatizado. Você perguntou se eu teria; não teria. Não teria e não vou privatizar nenhuma.

O senhor teria privatizado as teles?

LULA: Não teria. Elas foram privatizadas; agora nós administramos. Não há problema. Agora, quero dizer uma coisa: quando eu falo do meu adversário, não é apenas o que eu falo. Verifiquem o que tem sido publicado nos jornais. Ontem mesmo, ele foi obrigado...

Não, não estou entrando nessa seara. Quero apenas uma definição do papel do Estado.

LULA: Ontem, ele foi obrigado a dar um pito em assessores, porque cada um falou uma coisa a respeito disso.

Não fizeram tanto isso com o senhor no passado?

LULA: Eu não me importo. Mas eu não me importo.

Fazer terrorismo...

LULA: As minhas costas são largas para isso mesmo. Quando o nordestino não morre até os 5 anos de idade, ele sobrevive por muito tempo.

Estou me referindo a uma conduta de campanha.

LULA: O Estado que quero é aquele que cumpra suas obrigações, com o desenvolvimento do país e com o atendimento das necessidades da sociedade.

O senhor acredita que o Estado teria dinheiro para fazer um sistema telefônico como o que temos hoje?

LULA: Ele teve! No mundo inteiro era assim. Eu vejo filmes, e as pessoas de antigamente eram assim.

E no mundo inteiro foi privatizado.

LULA: Agora, o que acontece... Meu filho, deixe-me contar uma coisa que precisa ser dita: quando você pega uma estrada, você fala: ¿Ah, a Via Dutra está moderna agora, porque as empresas cuidam!¿ Sabe por que elas cuidam? Porque o dinheiro da empresa se destina exatamente a cuidar da Dutra. Ela retira o seu lucro e cuida da Dutra, que é a fonte do lucro. O que acontecia quando o Estado mandava? O Estado pegava o dinheiro da estrada, jogava no caixa geral e gastava em outras coisas. Assim não dá certo! E eu não tenho problema em fazer parceria e concessões em relação àquilo que não for considerado estratégico para o Estado. Não tenho problema!

Telefonia e mineração são estratégicos?

LULA: Mas o Estado não se exime do papel que ele tem que cumprir perante a sociedade. Agora, quero dizer o seguinte: não abro mão de administrar o país. Quando entrei no governo, eu me dei conta de algumas coisas. As agências foram criadas para ser reguladoras das políticas públicas emanadas pelo governo. Assim prevê a lei. O que estava acontecendo? Eram as agências públicas que faziam as políticas públicas! Ora, o que fizemos? Espere aí, gente, este país tem governo! O governo (sic) elege um presidente da República, que escolhe ministros e tem que administrar isto aqui. Vocês vão regular as políticas públicas que o governo decidir! É assim que tem que funcionar.

Acusam o senhor de ter aparelhado o Estado com o PT e amigos.

LULA: Ah, tudo isso... Eu não vou discutir esse assunto, porque até a minha camareira daqui trabalhava para o Fernando Henrique Cardoso. Eu não troquei nem a camareira, rapaz!

E o Expedito, com a questão do Banco do Brasil?

LULA: Ele estava lá há 22 anos, gente!

O Lorenzetti era diretor de um banco, tinha status de diretor financeiro de um banco.

LULA: Que foi montado lá em Santa Catarina e administrado lá. Gente, vocês acham... É preciso aprender uma coisa em política, se é que não sabem: essas críticas normalmente são feitas com o objetivo de inibir o governo eleito de retirar as pessoas que eles colocaram. Sempre foi e sempre será assim! Eu sonho com um Estado em que o presidente da República, o governador ou o prefeito eleito neste país tenha clareza, mas a clareza absoluta, de que vai receber uma máquina pública que funciona e não terá que mexer em nada. Basta montar essa coisa e colocá-la para funcionar. Eu tenho clareza disso, meu caro, mas essa não é a história do Brasil! Veja se em São Paulo há alguém do PT trabalhando no governo do Alckmin! Verifique se há alguém em cargo de confiança!

Presidente, volta e meia há denúncias do governo sobre privatizações, há insinuações de que as privatizações foram irregulares e tal. Por que o senhor nunca mandou apurar as privatizações?

LULA: Porque não sou eu que tenho que apurar, gente! Por favor, não transformem um presidente da República num delegado de polícia.

O senhor poderia mandar investigar.

LULA: Há vários processos em andamento neste país, gente! Várias coisas estão sendo apuradas. Eu vou dizer por que não fiz. A mediocridade da política brasileira ensina que, quando alguém ganha uma eleição, ele deve fazer uma auditoria no governo passado, para denunciar. Eu pensava que o Brasil estava... O mandato do presidente é tão curto, e o Brasil estava numa situação tão delicada que eu não tinha tempo. Hoje, vocês podem discutir política econômica comigo, mas verifiquem os artigos que eram escritos no começo do meu mandato, em que a tônica básica era de que o país ia quebrar, que o país não suportaria. Então, se eu tinha um paciente na UTI, não havia tempo para convocar junta médica para cuidar dele. Eu tinha que cuidar dele. E fiz isso, sem arrependimento. Não me arrependo de não ter feito auditoria! Não me arrependo! Contra a vontade de alguns companheiros que queriam que eu fizesse, resolvi não fazer. Não tenho tempo a perder com isso. A minha crítica ao processo de privatização é problema de Estado brasileiro.

Presidente, o senhor realmente esqueceu o que disse durante 20 anos, o que o PT disse, escreveu e propôs? Por exemplo: controle de câmbio, moratória, enfim...

LULA: Você concorda que hoje pensa bem melhor do que 20 anos atrás? Você acha que pensa melhor? Nós envelhecemos para evoluir. E quanto mais aumenta a nossa responsabilidade, mais vamos evoluindo. Quando você é da oposição, você acha; quando é governo, você faz. E, quando você tem que fazer, você só vai fazer o que pode.