Título: CERTEZA ABSOLUTA DA INOCÊNCIA DE FREUD
Autor:
Fonte: O Globo, 12/10/2006, O País, p. 12

Eu sou o presidente da República; não sou investigador, muito menos delegado¿, diz sobre dinheiro do dossiê

Mudando de assunto para o desagradável assunto da corrupção. Essa pergunta já foi feita ao senhor várias vezes, e o senhor não respondeu diretamente. Por que o senhor não perguntou às pessoas que o senhor conhece há muito tempo, como Bargas, Berzoini e Lorenzetti, de onde veio o dinheiro? Essa pergunta precisa ser respondida, porque ela está no meio do caminho em qualquer avaliação que se faça.

LULA: Primeiro porque não é meu papel perguntar; o papel de perguntar é da Polícia Federal.

O senhor disse que quer saber de tudo!

LULA: Mas o papel é da Polícia Federal e do Ministério Público. Eu sou o presidente da República; não sou investigador, muito menos delegado. Na hora em que eles cometeram o erro, foram afastados. E agora eles estão subordinados à investigação policial pura e simplesmente.

O senhor não tem curiosidade de saber de onde veio esse dinheiro?

LULA: A polícia tem que ir atrás deles e fazer as investigações que tiver que fazer. Pode demorar um dia, um ano ou dois anos. O presidente da República tem que tratar os seus amigos e inimigos em igualdade de condições. Há uma diferença fundamental. E digo sempre o seguinte: quero saber mais coisas. Eu não quero saber apenas a questão do dinheiro, de onde veio, que é muito importante, não quero saber apenas qual foi a quantia em dinheiro; quero saber quem foram todos os que participaram, quero saber quem arquitetou esse plano e quero conhecer o conteúdo do dossiê. E isso só vai acontecer se a Polícia Federal tiver liberdade para investigar.

Mas o senhor, como principal vítima disso, não tem interesse? O conteúdo do dossiê está na internet.

LULA: Eu não sei, não sei. Eu não sei se todo o dossiê está na internet. Não sei. A minha preocupação era afastar essas pessoas e passar a responsabilidade para a Polícia Federal.

O senhor considera crível que, com a relação que tem com o Bargas e o Berzoini, não tenha perguntado: ¿Gente, o que é isso?¿

LULA: É crível a relação que eu tinha com o José Dirceu, é crível a relação que eu tinha com o Palocci, é crível a relação que eu tenho com todo mundo. Quando as pessoas são chamadas para trabalhar no setor público, quando as pessoas são chamadas...

O senhor quer que se acredite que o senhor não perguntou nada?

LULA: Não perguntei; não perguntarei. O que eu quero é o resultado da Polícia Federal.

Quando o senhor fala em "quem arquitetou", está insinuando exatamente o quê?

LULA: Não estou insinuando nada; eu só quero saber. E, para saber, eu preciso da investigação. O caso Freud é um exemplo.

Com relação ao caso Freud, além do depoimento do Gedimar dizendo que disse por dizer e tal, saíram hoje várias notícias de que ele recebeu o dinheiro em 2004, que recebeu, dez dias antes do dossiê, R$396 mil...

LULA: Eu vou lhe dizer textualmente: é tão ou mais mentira do que essa agora. No Brasil, precisamos acabar com uma coisa: a leviandade de alguém acusar e ficar por conta da acusação.

O senhor tem certeza...

LULA: Eu tenho certeza absoluta! Esse menino não tem nada a ver com isso. Agora me parece que foi o Gabeira quem denunciou. Eu duvido que esse menino tenha! Duvido!

O Gabeira denunciou o quê?

LULA: Denunciou que ele tinha dinheiro do Naji Nahas.

No caso do mensalão, por exemplo, o senhor disse que não sabia; depois, que foi traído; depois, que isso se faz sistematicamente no Brasil; depois, que foi uma conspiração das elites e da direita. Em qual Lula se deve acreditar?

LULA: Em todos. Quantas coisas acontecem na sua vida, dentro da sua casa, e você não sabe? O que é leviano, e é leviano de verdade, é alguém insinuar que o presidente da República é obrigado a saber o que o seu secretário de Imprensa fez durante o dia ou à noite. Você fica sabendo em três hipóteses: primeiro, se você participar; segundo, se alguém lhe contar; terceiro, se alguém denunciar.

A impressão é de que o senhor passou a mão na cabeça, no passado. Deixou o pessoal entrar...

LULA: Essa coisa aconteceu e certamente vai acontecer na República, a vida inteira. Deixe eu lhes contar uma coisa, meus queridos. Esse é um processo sobre o qual se há um brasileiro que tem interesse em saber sou eu. O meu adversário não tem. Ele quer que a coisa fique nebulosa para continuar falando disso. Eu tenho interesse, porque a minha candidatura era tranqüila, não preciso dizer para vocês. Não tinha interesse algum em dossiê, porque não envolvia nem sequer o meu adversário. Quando eu digo que quero saber quem é o arquiteto é o seguinte: quem convenceu um bando de imbecis de que estariam fazendo uma grande jogada política?

Mas o senhor não conta se eles são seus amigos ou inimigos.

LULA: Não, eu sou contra a pena de morte. Eu não julgo as pessoas de forma precipitada. Eu sei quantas eleições perdi para chegar aqui; eu sei quantas infâmias e preconceitos venci para chegar aqui. Portanto, agora, o meu único propósito é provar que eu tenho mais competência do que muita gente que governou este país. Estou provando e vou provar muito mais. Tudo aquilo que for de política e de justiça será investigado. Só quero dizer para vocês que tudo, exatamente tudo o que acontecer neste país, pode atingir a minha eleição ou o presidente da República, a Tereza Cruvinel ou o Rodolfo, será investigado. Não me peçam para condenar ou absolver ninguém. Apenas aquilo que a lei permite será feito. E é bom que seja assim, porque nós teremos a garantia de que a democracia será exercitada.

Mas nunca vi ¿ vamos chamar respeitosamente de trapalhadas ¿ um governo com tantas trapalhadas, tanta confusão. Quando pensamos que acabou, surgem mais confusões e tal. Nesse processo de escolha de auxiliares, o senhor não pára para pensar: eu só escolho gente errada?

LULA: Se você fosse o presidente, escolheria o José Dirceu para ser seu ministro? Você acha que ele tem qualificação para isso? Você escolheria o Palocci? Então, qual foi o erro que eu cometi?

Não estou falando dos dois; estou me referindo a todas as trapalhadas.

LULA: ¿Não estou falando dos dois¿?! Ora, meu Deus do céu, quero saber o seguinte: você não escolhe alguém para ser o seu ministro ou secretário por erros, e sim por virtudes.

E eles o decepcionaram?

LULA: Veja, eles fizeram coisas que não deveriam ter feito. E agora estão sendo indiciados, julgados e terão que se defender na Justiça. O meu papel, o papel do presidente da República, é o que eu fiz: houve um problema? Houve. Está exonerado e vai se defender lá fora. Nada mais do que isso. Não me cabe fazer mais do que isso.

O senhor tem razão ao afirmar que não cabe ao presidente tratar de assuntos de polícia. É evidente que não lhe compete. Agora, existe um aspecto político que afeta seu governo. Há uma repercussão política...

LULA: Principalmente pelo tratamento que eu recebi. Eu estava lendo o jornal O GLOBO de hoje. Quando o Freud foi acusado, foi publicada uma página inteira, com letras garrafais e a fotografia dele. Ontem, o ¿Jornal Nacional¿ o inocentou. No GLOBO de hoje, publicaram um pedacinho deste tamanho dentro da página.

Mas ele nem foi acusado nem foi inocentado.

LULA: Quando o nome dele foi publicado, ganhou uma fotografia garrafal, na primeira página do GLOBO. Ontem, o ¿Jornal Nacional¿ apresentou a matéria, dizendo que o delegado o inocenta, e ele ganhou um pedacinho, não sei em que página que eu vi hoje.

Presidente, quem botou Freud na história foi um aliado seu, não foi o jornal. Nenhum jornal citou o Freud; ele apareceu!

LULA: Eu não sei quem citou, querido. Eu não sei. Só sei que neste país precisamos adquirir o hábito de nem inocentar as pessoas nem condená-las antecipadamente.

O senhor fica espantado com o tom da oposição em relação ao governo, mas o PT na oposição não foi menos rígido ou cobrador do que...

LULA: Não faça comparações. Cada partido age como quiser agir.

Vocês estabeleceram um padrão de exigência muito forte quando estiveram na oposição.

LULA: Cada um faz o que quer. Não me peça para fazer julgamento. Eu posso gostar ou não gostar, mas não me cabe julgar. A única coisa que eu gostaria que existisse no Brasil é que não houvesse imunidade contra a calúnia.

Eu quero lhe fazer a seguinte pergunta: Fernando Henrique ficou oito anos no poder. Será que ele não fez nenhuma coisa razoável?

LULA: O Fernando Henrique Cardoso não está em julgamento, gente!

Mas o senhor usa o nome dele na campanha contra o Alckmin.

LULA: Mas o que ele fez... Ele fala o que fez; eu não preciso falar o que ele fez! Sabe o que acontece? Eu preciso de parâmetro. Eu não posso usar como parâmetro o governo do Getúlio; eu não posso pegar como parâmetro o governo de Floriano Peixoto. Eu tenho que citar como parâmetro o último governo que eu substituí.

Mas é sobre este governo que eu estou perguntando.

LULA: Eu não preciso fazer julgamento. Peça para o Alckmin dizer as coisas boas que ele fez! O Alckmin pode ir para a tribuna e defender o Fernando Henrique Cardoso. Por que não o faz? Eu é que não vou!

O senhor está nervoso, está irritado...

LULA: Eu, não.

Uma pergunta sobre a violência urbana é importante, presidente.

LULA: Vamos lá.

O senhor criticou Fernando Henrique, dizendo que em oito anos Fernando Henrique se reuniu apenas duas vezes com os governadores para tratar da dívida dos estados, e nunca se reuniu com eles para discutir a segurança e a violência nas cidades do Brasil. E o senhor, naquela ocasião, prometeu fazer mais sobre a questão da violência nas grandes cidades brasileiras.

LULA: Vamos compreender o seguinte: primeiro, a Constituição da República estabeleceu que a segurança dos estados seria de responsabilidade dos estados. Segundo, o governo federal funciona como uma espécie de articulador da relação entre as instituições do governo que cuidam de segurança e dos governos estaduais. Quando um governador prende um bandido famoso, você já o viu chamar o presidente para tirar fotografia e dizer: ¿Prendi¿? Não. O governador tira foto com o preso: ¿Prendi¿.

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