Título: ONU: 150 MILHÕES DE MENINAS VÍTIMAS DE ABUSOS
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 12/10/2006, O Mundo, p. 39

Estudo apresentado por brasileiro mostra também que exploração sexual atingiu 73 milhões de meninos em 2002

NOVA YORK. O primeiro e mais abrangente estudo global sobre violência contra menores de 18 anos divulgado ontem pelas Nações Unidas revela que, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos com menos de 18 anos foram vítimas de abuso sexual em 2002. O documento mostra que, vítimas de todo tipo de violência, as crianças sofrem agressões que independem de sua situação socioeconômica. Ainda que a pobreza e o subdesenvolvimento intensifiquem a gravidade das violações, crianças no mundo inteiro são alvo de abuso ou exploração dentro de casa, junto à família, na escola e nas ruas.

Segundo o estudo, em 2002, ao menos 52 mil menores foram assassinados. Outra estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicou que 218 milhões de crianças trabalhavam em 2004. O equivalente, portanto, a mais do que a população brasileira. Ainda mais grave: 126 milhões participavam de atividades perigosas. Em 2000, 5,7 milhões foram submetidas a trabalho forçado ou escravo, sendo 1,8 milhão vítima de exploração sexual e pornografia.

O relatório foi produzido pelo ex-secretário de Estado de Direitos Humanos do Brasil, no governo Fernando Henrique, e fundador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Sérgio Pinheiro. Nos últimos três anos, ele coletou dados e entrevistou crianças, especialistas e agentes governamentais. Os governos de 133 países responderam a um questionário sobre o assunto.

¿ As crianças estão intensamente desprotegidas: faltam políticas adequadas e legislação para enfrentar o problema. Mesmo onde existem leis, há uma grande distância entre o que está no papel e a realidade ¿ diz.

¿ A violência contra crianças afeta países ricos e pobres e cruza as linhas econômicas, sociais e culturais. Não há país imune ¿ concorda Pamela Shifman, especialista em Proteção à Criança do Unicef em Nova York.

Abusos geram prejuízos de US$94 milhões

Pinheiro reclama da falta de informações sobre a violência contra crianças e adolescentes. Por isso, o estudo recomenda que os países melhorem a coleta de dados e planejem ações integradas para proteger crianças e adolescentes. Não há comparações entre países nem rankings de violência. O texto cita estimativa do pesquisador S. Fromm de que todas as formas de abuso contra crianças teriam sido responsáveis por prejuízos de US$94 bilhões (R$188 bilhões) em 2001, só nos EUA.

O estudo da ONU condena todo tipo de agressão, até mesmo palmadas ou puxões de orelhas. O raciocínio é que uma violência menor abre caminho para outra maior, além de partir do pressuposto de que crianças não devem sofrer intimidações vetadas no mundo adulto. Paulo Sérgio Pinheiro leu ontem um breve resumo do relatório no comitê de Direitos Humanos da ONU, diante de cerca de 500 representantes de países-membros. A briga até o fim do ano será para incluir as recomendações do estudo na resolução sobre direitos humanos da ONU. Há países que resistem à idéia de interferir em hábitos familiares e culturais, como os castigos físicos.

¿ A mensagem central do estudo é que nenhuma violência contra crianças pode ser justificada.

* O repórter viajou a convite do Unicef