Título: POR UMA CENTRAL DE PATENTES
Autor: CARLOS VARALDO
Fonte: O Globo, 13/10/2006, Opinião, p. 7

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Jacques Chirac, da França, juntamente com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton lançaram com grande estardalhaço nas Nações Unidas a Central Internacional de Medicamentos. A idéia é passar a cobrar uma taxa sobre o preço das passagens aéreas internacionais e com esses recursos ajudar programas de saúde de países pobres no combate a Aids, malária e tuberculose.

Entretanto, a idéia de ajudar países pobres com recursos para adquirir medicamentos não conseguirá solucionar em absoluto a origem dos problemas de saúde que afligem mais da metade da população mundial, devido ao custo dos medicamentos e ao poder dos detentores das patentes. Quase a totalidade dos medicamentos considerados de ¿última geração¿ se encontra nas mãos de uma dúzia de laboratórios multinacionais, detentores das patentes, que assim monopolizam o mercado e determinam os preços.

O custo dos novos medicamentos tem subido mais rapidamente que o orçamento público da saúde. A realidade hoje é que existem remédios para ricos e para pobres, sendo a maioria dos destinados aos pobres, de menor preço, medicamentos com mais de dez anos no mercado, com menor efeito terapêutico e geralmente antigos, livres de patentes.

A propaganda e o marketing induzem à prescrição dos novos medicamentos por parte dos médicos e estes passam a ser exigidos pelos pacientes. A indústria farmacêutica gasta quase duas vezes mais em publicidade que em pesquisa e desenvolvimento. São US$60 bilhões por ano em campanhas publicitárias.

Juntar alguns trocados com quem compra uma passagem aérea para comprar um remédio que possa ser entregue a um doente pobre somente conseguirá atender a uma pequena parte da população carente. O único benefício direto de se criar esta esmola será aliviar a consciência de quem poderia solucionar o problema e nada faz neste sentido.

As autoridades que estão propondo a formação da Central de Medicamentos deveriam se empenhar em formar uma Central de Patentes. É necessário arrecadar dinheiro para comprar as patentes e então liberar qualquer laboratório, inclusive os oficiais, para fabricar os medicamentos. Isso possibilitaria a melhor ajuda que pode ser dada aos países pobres: permitir o acesso aos remédios a baixo custo.

Quando um governante fala em ¿quebrar patentes¿, a indústria farmacêutica sorri em silêncio. Nos últimos dez anos diversos ministros da Saúde brasileiros falaram alto e bom som que iriam quebrar patentes de medicamentos para Aids e hepatites. A realidade é bem diferente, e nunca o Brasil tentou sequer quebrar patente alguma. Quebrada a patente, faltará o conhecimento da tecnologia; conseguida esta, faltará a capacidade de fabricação. Por último, não se pode esquecer que após conseguir fabricar será necessário realizar ensaios clínicos obrigatórios que assegurem a segurança e a eficácia da nova droga.

Assim, entre a bravata e a efetiva colocação do medicamento no mercado serão necessários no mínimo cinco anos, período durante o qual o remédio já estará obsoleto, tornando-se mais um medicamento para os pobres a competir com novos lançamentos para pacientes ricos. Quebrar patentes significará acabar com os investimentos na pesquisa de novos medicamentos, engessar a pesquisa científica e sofrer inúmeras represálias comerciais.

O melhor é negociar e, deste ponto de vista, formar uma Central de Patentes não é um desafio impossível. Uma patente pode ser negociada com seu detentor por valores entre R$800 milhões e algo mais de R$1 bilhão, deixando satisfeitos fabricantes e acionistas, que estarão obtendo um bom lucro, sem riscos de mercado, e assim continuarão a investir em pesquisa.

São aproximadamente dez os principais medicamentos para combater Aids, malária, tuberculose e também hepatites B e C. Adquirir todas estas patentes, liberando-as ao mercado, inclusive ao atual detentor, poderá custar menos que US$10 bilhões. É muito dinheiro? Para um só país, de forma isolada, pode ser, mas a união dos países mais ricos do mundo, juntamente com o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial da Saúde, outros organismos internacionais e fundações como Bill Gates, Rockefeller, Bill Clinton, Warren Buffet e outras, poderia facilmente obter estes recursos e solucionar, de vez, o problema das patentes e da concessão do acesso aos remédios a toda a população. E não somente aos ricos.

CARLOS VARALDO é presidente do Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite.