Título: NOVO GOLPE NOS CAÇA-NÍQUEIS
Autor: Isabela Bastos
Fonte: O Globo, 13/10/2006, Rio, p. 15

Fernando Iggnácio vai para a cadeia menos de um mês após prisão de seu principal rival

Vinte e quatro dias após a Polícia Federal ter capturado o contraventor Rogério de Andrade, de 43 anos, que estava foragido há três anos e três meses, policiais da 33ª DP (Realengo) e da Delegacia de Homicídios (DH) da Zona Oeste prenderam ontem seu maior rival na guerra por pontos de caça-níqueis no estado, o advogado Fernando de Miranda Iggnácio, de 41 anos. O contraventor foi preso em casa, às 7h, no condomínio de alto luxo Praia Guinle 1400, na Avenida Prefeito Mendes de Moraes, em São Conrado.

No mesmo horário, em Bangu, foi preso o cabo da Marinha Marcos Paulo Moreira da Silva, o Marquinhos Sem Cérebro, apontado pela polícia como chefe da segurança de Iggnácio na Zona Oeste. Com ele, foram apreendidas quatro armas: um revólver 38, uma espingarda calibre 12 e duas pistolas 380. A prisão temporária, que tem duração de 30 dias e pode ser renovada, de Rogério e Marquinhos havia sido decretada anteontem à noite pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Alexandre Abrahão.

O juiz ordenara ainda a prisão de outros integrantes da quadrilha: o soldado PM Aldecir Ladeira Serafim, do Grupamento Especial Tático Móvel (Getam); e o sargento reformado da PM, Rui Reis dos Santos Barros. Mas, até o final da tarde de ontem, eles não haviam sido encontrados pela Corregedoria da PM. Segundo o corregedor-geral, Paulo Roberto Paul, os policiais forneceram endereços falsos ao prestarem depoimento na 1ª Vara Criminal, onde Iggnácio e os militares respondem a processo por suposto envolvimento na tentativa de assassinato do sargento PM Edmilson Souza Pinto, em 26 de abril. Um parente do soldado foragido do Getam chegou a ligar para a Corregedoria da PM ontem à tarde para avisar que ele se entregaria, mas não informou quando. Por conta do falso testemunho, os dois responderão a conselho de disciplina e poderão ser excluídos da corporação.

No dia do crime, acontecido em frente à oficina mecânica West Car, na Rua Silva Cardoso 1.702, em Bangu, Edmilson estava acompanhado do cabo da PM Jorge Feliz da Silva e do soldado Bombeiro André Vicente Lemos Lustosa, além de outros dois policiais não identificados. Todos são acusados pela Polícia como homens do grupo de Rogério Andrade.

Bicheiro usava pijama ao ser preso

Segundo o titular da DH, Reginaldo Félix, cerca de 15 homens chegaram à oficina em cinco carros, fecharam a rua e disparam na direção dos policiais, acertando Edmilson. A movimentação foi filmada pelo circuito de câmeras do estabelecimento.

¿ As imagens mostram os carros, uma Cherokee preta, um Santana prata, dois Fox pretos e um Gol preto chegando ao local. Segundo depoimentos prestados posteriormente pelo policial e pelo bombeiro que acompanhavam Edmilson, Iggnácio teria acompanhado pessoalmente a ação, do banco do carona da Cherokee, mas ele não aparece nas imagens. As testemunhas também dizem ter reconhecido o Sem Cérebro e os policiais que estão foragidos. Com base na fita e nos depoimentos pedimos as prisões ¿ explicou Félix.

Genro de Castor de Andrade (falecido em 1997), Fernando Iggnácio trava uma disputa violenta pelo espólio do contraventor com o Rogério, que era sobrinho do bicheiro. A guerra da máfia dos caça-níqueis já teria provocado a morte de pelo menos 50 pessoas desde 2000. Como as investigações sobre a tentativa de assassinato de Edmilson podem ter relação com a disputa, o juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu expediu os mandado de prisão e de busca e apreensão.

Iggnácio foi preso na cozinha de seu apartamento, quando ainda estava de pijama. Não houve resistência. A ação mobilizou dez policiais em três carros. Chefiados pelo delegado titular da 33ª DP, Luiz Antônio Ferreira, o grupo chegou ao condomínio às 5h45m. Depois de tocar insistentemente a campainha e tentar contato por interfone, os policiais foram buscar um chaveiro, que abriu a porta da cozinha com uma furadeira.

Todo o apartamento, que tem cerca de mil metros quadrados, quatro quartos e uma vista privilegiada da Pedra da Gávea, foi vasculhado pelos policiais. Foram três horas de buscas para cumprir os mandados judiciais no imóvel, causando grande movimentação no condomínio luxuoso, onde já moraram políticos e artistas famosos.

A ação foi acompanhada pela advogada de Iggnácio, Maria Aparecida Medeiros, que chegou ao condomínio poucos minutos antes de os policiais invadirem o apartamento. Foram apreendidos no local um notebook, um pen-drive (dispositivo de memória externa de computador), quatro celulares (sendo um deles de comunicação por satélite) e balancetes e extratos com movimentações bancárias de Iggnácio e de suas empresas.

¿ Acreditamos que ela (a advogada do contraventor) tenha sido alertada por alguém do prédio e que não conseguiu avisá-lo. Ele demonstrou muita surpresa com a nossa presença. Quando arrombamos a porta e entramos na cozinha, havia uma segunda porta ligando a um cômodo anexo. Foi o próprio Fernando Iggnácio que abriu essa porta. Antes disso ele ainda perguntou diversas vezes quem era. Ele estava com a mulher e dois filhos maiores de idade, que ainda dormiam ¿ contou o delegado Luiz Ferreira.

Antes de deixar o prédio, às 10h, para ser levado à Delegacia de Homicídios, o contraventor pôde tomar banho e se arrumar. Com os cabelos molhados e óculos escuros, ele vestia calça social preta e camisa azul com mangas compridas. Iggnácio foi escoltado até o carro da polícia que estava estacionado na rua. As algemas foram disfarçadas por um paletó.

Marquinhos Sem Cérebro também estava acompanhado da mulher e de um filho de sete meses quando foi preso por seis policiais da DH, chefiados pessoalmente por Félix. Os policiais se surpreenderam com a casa do militar, na Rua Fonseca 1.290, em Bangu. Com dois andares, sendo um de garagem, e piscina, o imóvel do cabo da Marinha tinha circuito interno de TV, cerca eletrificada e arame farpado. Depois de duas horas lá, os policiais saíram levando sob custódia quatro armas que estavam na casa.

¿ As armas estão no nome dele, que apresentou certificado de colecionador ¿ disse o delegado.

Os policiais estiveram ainda num outro imóvel de Iggnácio na Barra, onde nada foi encontrado, e no depósito da Adult Fifty Games, empresa do contraventor em Bangu. Eles recolheram dez computadores e sete marretas. Um homem foi detido para averiguações, prestou depoimento e foi liberado. Segundo o delegado Reginaldo Félix, as marretas são provavelmente usadas no quebra-quebra de máquinas de grupos rivais na guerra por território dos caça níqueis.

Tanto Iggnácio como o cabo da Marinha se recusaram falar, alegando ter direito de falar apenas em juízo. O militar foi transferido ontem mesmo para o 1º Distrito Naval, no Centro. Já Iggnácio passou por exame de corpo de delito no Instituto Médico-Legal no final da tarde. Até o início da noite, não havia sido decidido se o contraventor seria levado para a Polinter de Neves, em São Gonçalo, ou para a Delegacia Anti Sequestro (DAS), no Leblon. Inicialmente, Iggnácio ficaria na Polinter de Campo Grande. Mas a Polícia voltou atrás, por medida de segurança, uma vez que Rogério Andrade já está preso no local.

COLABORARAM Eduardo Maia e Sérgio Ramalho