Título: Baixaria e dissimulação
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/10/2006, O GLOBO, p. 2

Se há um partido que não pode se render ao terrorismo eleitoral e à baixaria é o PT, que já foi vítima dessas práticas. O dossiê foi abortado, mas partiu ontem de Lula a ordem para que o site do partido retirasse do ar ataques à família de Geraldo Alckmin. Lula já provou disso. Mas o outro lado também faz acrobacias retóricas quando diz, por exemplo, que o dossiê contra Serra era contra Alckmin, num esforço para vitimizá-lo.

O texto retirado do site do PT mencionava o fato de a filha do candidato tucano já ter trabalhado na chique e malfalada loja Daslu, e recordava os vestidos que sua mulher ganhou de um estilista. Lula sabe o que é isso. Sua filha Lurian carrega as marcas deixadas pela infâmia cometida por Collor em 1989, quando comprou por 600 dinheiros o depoimento de Miriam Cordeiro dizendo que Lula tentou forçá-la a abortar. O que esse episódio mostra, dizia ontem o senador Aloizio Mercadante, é que pessoas dentro do PT continuam adotando, com autonomia inaceitável, práticas que o partido sempre combateu. Antes do estouro do caso do dossiê, diz ele ter sido procurado por Bargas e Lorenzetti, sugerindo que no depoimento de Vedoin ao Conselho de Ética do Senado (no dia seguinte) tentasse forçá-lo a apontar Abel Pereira como operador do PSDB na máfia das ambulâncias.

¿ Fui claro com eles. Não estava interessado nisso, não trataria do assunto no depoimento de Vedoin e muito menos nos meus programas eleitorais ¿ diz o senador.

Mesmo assim, fizeram a operação tabajara. Mas é imperfeita a comparação entre os dois episódios. Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais e responsável pela comunicação eletrônica, assumiu a autoria e fez autocrítica. Já os ¿aloprados¿ continuam não colaborando com as investigações sobre a origem do dinheiro, flanco aberto na campanha de Lula.

Na entrevista ao GLOBO, quarta-feira, Lula repeliu a qualificação de ¿terrorismo eleitoral¿ para as afirmações recorrentes, dele e de petistas, de que o tucano, se eleito, fará novas privatizações e um arrocho fiscal com corte de salários e nas políticas sociais. Não é terrorismo porque, no poder, os tucanos fizeram as duas coisas, disse. Mas em 2002, quando os tucanos diziam (com ajuda de magos do mercado, como Georges Soros) que se Lula ganhasse viria o caos na economia, baseavam-se também nos programas e nos discursos do partido. Lula viu Regina Duarte dizendo na TV que estava com medo de sua eleição. Instilar o medo é constranger, não é convencer.

A campanha de Alckmin dá sua contribuição à dissimulação. Ele desmentiu a afirmação de seu ex-secretário Nakano, de que faria um ajuste fiscal com corte de despesas da ordem de 3,4% do PIB. ¿Por meu governo falou eu¿, disse o candidato, assegurando que seu programa não trata disso. Mas trata, e faz referência explícita a um corte de despesas correntes até maior, da ordem de 4,4% do PIB. Se ele concorda com o que escreveram seus economistas, devia assumir. Se não concorda, não devia ter permitido a inclusão. Ele alimenta a acusação de privatista quando diz que vai vender o avião presidencial. É notório que o avião era uma necessidade, que Fernando Henrique já não podia usar o sucatão no fim do governo. Locava aviões das companhias aéreas. Ontem a campanha de Lula pôs no ar um texto dizendo que o tucano esconde o jogo. Reproduziu o que ele disse em entrevista ao GLOBO em 15 de janeiro 2006: ¿Tem muita coisa que se pode privatizar¿. Se agora nega essa crença por medo de perder votos, tem razão Fernando Henrique, que cobrou dos tucanos uma defesa não envergonhada das privatizações que fez. Na questão do Bolsa Família, colhem o que plantaram. Disseram o tempo todo que o programa era assistencialista e houve quem o chamasse de Bolsa Esmola.

Os dois lados estão dissimulando suas verdadeiras intenções na questão fiscal. O PT acusa Alckmin de planejar o arrocho e Lula disse ao GLOBO que o Brasil não precisa disso para crescer. Ontem seu coordenador de campanha, Marco Aurélio Garcia, depois de afirmar que os reajustes dos servidores serão mais moderados no segundo mandato (as perdas dos oito anos de FH já teriam sido minimizadas), admitiu o controle fiscal. Acabou tendo que se explicar: o ajuste não viria por cortes, mas em decorrência do crescimento maior e da queda continuada dos juros, o que faria sobrar mais recursos para o investimento.

É lamentável que, na quinta eleição presidencial pós-redemocratização, os candidatos estejam a dissimular intenções e a semear confusões, sem falar na baixaria.