Título: DESMILITARIZADA, MAS NO FIO DA NAVALHA
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 15/10/2006, O Mundo, p. 40

Fronteira entre os países é um dos lugares mais vigiados e tensos do mundo

PANMUNJEOM, Coréia do Sul. Com metade do corpo escondida, em posição de defesa inspirada no taekwon-do, guardas sul-coreanos vigiam a linha que separa a Coréia do Norte da Coréia do Sul dentro da chamada Zona Desmilitarizada, a fronteira mais fortificada do mundo. Aquela faixa de quatro quilômetros de largura é vigiada por cerca de 1,6 milhão de soldados ¿ um milhão do lado norte-coreano ¿ e inúmeras câmeras.

Perto dali, um grupo de jornalistas estrangeiros tira fotografias da região que se tornou o símbolo da crise que se abateu sobre a Península Coreana desde que a Coréia do Norte resolveu fazer o teste nuclear.

De repente, os militares do lado Sul se agitam. Do outro lado, soldados norte-coreanos vão se aproximando da linha de fronteira, uma sutil construção de cimento que separa, como um muro invisível, os dois lados. Há um momento de apreensão. Dois soldados norte-coreanos chegam junto da linha, enquanto militares americanos e sul-coreanos se posicionam atrás dos galpões usados para abrigar, no local, encontros dos chamados países neutros (como Suécia e Suíça) com autoridades norte-coreanas.

¿ Acho que algum grupo de turistas norte-coreanos está chegando, mas é estranho. Não vejo ninguém daqui ¿ diz Kim Yong Kyu, funcionário do comando das Nações Unidas encarregado de relações com a mídia. Os soldados se entreolham com semblantes preocupados.

Subitamente, um comandante norte-coreano aparece com uma câmera fotográfica e começa a tirar fotos de todo o batalhão na frente dos surpresos jornalistas. Os soldados norte-coreanos vão se revezando em duplas, trios e grupos de quatro. De início, sisudos e marciais. Com o tempo, se abraçam. Ouvem-se suspiros aliviados do lado Sul. As expressões tensas dão lugar a sorrisos, num local onde uma simples conversa entre soldados de um lado e de outro é considerada uma quebra nas regras do armistício e uma declaração hostil.

¿ É uma exibição para a mídia estrangeira aqui deste lado ¿ diz Kim. ¿ Eles querem mostrar que nada mudou apesar do teste nuclear.

A Zona Desmilitarizada é assim. Nada desmilitarizada e sempre no fio da navalha, apesar das declarações de que a região é calma, dadas pelo capitão do Exército americano David Fischer, espécie de relações públicas do Campo Bonifas, onde estão estacionados 600 soldados, 40 dos quais dos EUA.

¿ É certo que cresceu um pouco o pedido de visitas de turistas à região por conta do teste nuclear ¿ diz ele. ¿ Mas nada mudou no dia-a-dia da região, que continua bastante calma.

Pode ser. Mas no resto da zona, nem tudo é paz. No dia 7, dois dias antes do teste nuclear, soldados da Coréia do Sul dispararam 40 tiros de fuzil ao avistarem soldados norte-coreanos escalando a linha de demarcação militar, apesar de advertências verbais, munidos de alto-falantes.

A Zona Desmilitarizada foi criada em julho de 1953 após três anos de guerra entre as duas Coréias e a assinatura de um armistício entre o comando do Exército norte-coreano e a ONU. Funciona efetivamente como fronteira entre os dois países. A região de Panmunjeom é o ponto central da fronteira, onde soldados de ambos os lados se encaram num ritual diário de força.

Civis da Coréia do Sul só podem entrar na região se comprovado que não possuem parentes no Norte e o mais perto que a maioria acaba chegando é ao parque da região de Imjingak. Ali, a ponte que leva à fronteira é uma espécie de Ground Zero, com bandeiras e mensagens dos sul-coreanos ao seus irmãos do Norte. (G.S.)