Título: À ESPERA DO COLAPSO DO NORTE
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 15/10/2006, O Mundo, p. 40

Apesar de teste nuclear, sul-coreanos não acreditam que vizinhos representem ameaça

São cerca de 15h de uma sexta-feira ensolarada em Seul e, em frente ao Palácio de Deoksugung, no centro da cidade, dezenas de estudantes tiram fotos com os guardas que fazem a segurança do local em trajes imperiais. A cerca de 500 metros dali, a região de Insadong, com suas pequenas ruas cheias de lojas, ateliês e cafés modernos, está apinhada de gente, bem como a gigantesca loja de departamentos Lotte, perto da Prefeitura de Seul. Quatro dias depois do teste nuclear feito pela Coréia do Norte, uma pesquisa feita pela rede de TV MBC e pelo Centro de Pesquisas da Coréia mostra que mais da metade dos coreanos se sente ansiosa com o episódio (57,7%).

Mas, ao contrário de 1994, quando milhares correram aos supermercados para fazer estoques, temendo que uma escalada no conflito entre norte-coreanos e os EUA em torno da fiscalização do então nascente programa nuclear do país pudesse resultar numa guerra, a maioria hoje não acredita num conflito armado e segue sua vida normalmente.

Mais informação está disponível

É o caso da estudante de jornalismo da Seoul Women¿s University, Kim Hyongun, 22 anos, que fazia compras na Insadong.

¿ É claro que eu me preocupo com um teste nuclear, mas não acredito num conflito porque a economia norte-coreana vai muito mal ¿ diz.

O aposentado norte-coreano Lee Il Bong, 73 anos, que migrou para a Coréia do Sul em 1943 (antes da Guerra da Coréia) e se diz traído pelos comunistas do Norte, acha o mesmo.

¿ O país está à beira de um colapso e eu só temo pela população norte-coreana, que acaba sofrendo com as bravatas de Kim Jong-il.

Song Myeong, 38 anos, funcionário de uma empresa de tecnologia, abraça o filho de cinco anos, Ho, e pergunta:

¿ Ter medo de um país que mal se mantém de pé? Eles não apenas não têm a bomba como duvido que seu armamento seja moderno. Os norte-coreanos fazem barulho, mas não ameaçam.

Hyun-Joon Chon, diretor e pesquisador sênior do Instituto Coreano para Unificação Nacional (KINU, na sigla em inglês), um dos maiores especialistas em Coréia do Norte do país, diz que, do fim da Guerra Fria para cá, os sul-coreanos ficaram mais objetivos e mais bem informados sobre a real situação militar e econômica da Coréia do Norte. Ele defende uma tese polêmica, divulgada com certa freqüência nos editoriais dos jornais mais influentes ¿ e conservadores ¿ da Coréia do Sul, como o ¿Chosun Ilbo¿.

¿ Kim Jong-il está buscando segurança com o teste nuclear. Ele quer garantir suporte econômico porque sabe que o país vai entrar em colapso no médio prazo, coisa de cinco anos. Ele só está onde está hoje porque a elite que o apóia tem a exata noção de que vai cair junto caso o regime desmorone ¿ diz ele.

Implosão de regime é cenário provável

Segundo Chon, o KINU trabalhava com três hipóteses de unificação das Coréias. Uma delas era a unificação pacífica, também conhecida como ¿política raio de sol¿, feita através de diplomacia amparada por programas de ajuda humanitária e econômica. Já vinha caminhando a passos de cágado e ficou ainda mais remota após o teste nuclear. Outra hipótese era um cenário de guerra com a derrota dos norte-coreanos, provavelmente para os EUA. Apesar dos ânimos exaltados hoje, a chance de que ocorra é mínima dado o trauma que um conflito traria para a região. O terceiro ¿ e mais provável cenário, num curto prazo ¿ continua sendo a implosão do regime e sua absorção pelo Sul, ainda que a segunda parte desta premissa seja considerada de difícil execução pela maioria dos analistas sul-coreanos.

De olho na Alemanha após a queda do Muro de Berlim, pondera-se que a Coréia do Sul não é rica o suficiente para acomodar os irmãos miseráveis do Norte. Mas o colapso do regime de Kim Jong-il, para o Sul, está cada dia mais perto.

¿ A Coréia do Norte não tem mais o apoio incondicional da China porque os chineses já estão muito envolvidos com a comunidade internacional a ponto de arriscar perder status para defender um regime que, do ponto de vista econômico, já desmoronou. Mesmo a China e a Rússia vão concordar com a imposição, à Coréia do Norte, de sanções que vão acabar minando o regime.

www.oglobo.com.br/mundo