Título: NO JAPÃO, INDIFERENÇA DÁ LUGAR A APREENSÃO
Autor: Schinichiro Nakaba
Fonte: O Globo, 15/10/2006, O Mundo, p. 41

Após teste norte-coreano, segurança é redobrada, polícia entra em alerta e população se diz `bastante ameaçada¿

TÓQUIO. A população japonesa que sempre se manteve indiferente em relação à política hostil do regime comunista da Coréia do Norte começou a mostrar sinais de intranqüilidade com o anúncio do teste nuclear norte-coreano, no último dia 9. O desconforto aumentou ainda mais depois de o governo de Tóquio declarar imposições de sanções unilaterais contra Pyongyang. A Coréia do Norte respondeu dizendo que vai adotar duras medidas contra o Japão.

De acordo com pesquisa divulgada pelo jornal ¿Asahi¿, 62% dos japoneses se sentem bastante ameaçados pelo anúncio do teste nuclear. Eles também não acreditam no diálogo com Pyongyang e defendem as sanções impostas por Tóquio. Os outros 38% afirmaram que se sentem ¿um pouco ameaçados¿ em relação ao programa nuclear norte-coreano. Mas o que realmente assustou as autoridades japonesas foi a posição dos mais jovens, que já começam a apoiar a idéia de o país produzir a sua própria bomba atômica.

O Conselho de Segurança do Japão proibiu a entrada de embarcações e produtos da Coréia do Norte. Pessoas com nacionalidade norte-coreana também estão impedidas de pisar em território japonês. Como o embargo foi adotado em meio à ameaça de declaração de guerra da Coréia do Norte, a possibilidade de atentados terroristas no Japão é uma das maiores preocupações das autoridades.

As Forças de Autodefesa e a polícia foram colocadas em estado de alerta. A vigilância foi reforçada principalmente no Mar do Japão, que separa a Península Coreana do arquipélago japonês. As autoridades sabem que, até um passado recente, espiões norte-coreanos costumavam atravessar o estreito para entrar no país. Nos trens e metrôs, passageiros são orientados a informar movimentos suspeitos.

O clima de insegurança também é grande nas áreas próximas às bases americanas no Japão. Residentes locais, assustados com a possibilidade de se tornarem alvo de ataques, pedem a retirada dos militares dos EUA. O movimento de aviões, com equipamentos para medir o nível de radiação, é intenso na base aérea de Yokosuka. Embarcações da Marinha americana encontram-se atracadas no país preparadas para o confronto.

Para o professor de relações internacionais da Universidade de Osaka, Yasuhiko Yoshida, os laços entre Japão e Coréia do Norte atingiram o pior momento da História. Os dois países não possuem vínculos diplomáticos, mas avançavam para a normalização das relações com a visita a Pyongyang do então primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi, em 2002. Na ocasião, o Japão se desculpou pelas atrocidades cometidas durante a colonização da península coreana (1910 a 1945) e prometeu ajuda econômica.

¿ Mas, com o anúncio do teste nuclear, o Japão, que já tolerava hostilidades norte-coreanas, não teve como se manter impassível. Tóquio adotou o embargo unilateral e Pyongyang respondeu dizendo que vai adotar uma postura mais dura. Agora, os dois países são quase inimigos ¿ disse Yoshida, que trabalhou como oficial de informações da ONU e também foi funcionário da Agência Internacional de Energia Atômica.

A ameaça de Pyongyang, na análise de Yoshida, pode se materializar na forma de apreensão de barcos pesqueiros do Japão em alto mar e também com a detenção de japoneses que estiverem na Coréia do Norte.

Sobreviventes das bombas atômicas estão indignados

Segundo o especialista, o ditador norte-coreano Kim Jong-il acredita que o Iraque de Saddam Hussein foi atacado pelos EUA exatamente porque não possuía uma bomba atômica. Com o anúncio do teste nuclear, Pyongyang deseja deixar claro, principalmente para Washington, que possui ogivas nucleares. Outro objetivo do teste foi fortalecer a posição da Coréia do Norte nas negociações com os EUA para abolir o armamento nuclear na península coreana. Os americanos possuem bombas atômicas em bases sul-coreanas.

O anúncio do teste nuclear feito pela Coréia do Norte causou grande indignação entre os membros dos grupos que representam os sobreviventes das bombas atômicas lançadas pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki, no fim da Segunda Guerra Mundial.

Centenas de pessoas se reuniram nos parques Memorial da Paz nas duas cidades japonesas para protestar contra o programa nuclear da Coréia do Norte. Para o ex-diretor do Museu do Memorial da Paz de Hiroshima e sobrevivente da bomba atômica, Akihiko Takahashi, o teste nuclear norte-coreano é imperdoável e demonstra o grau de egoísmo do ditador Kim Jong-il. O prefeito de Nagasaki, Itcho Ito, ressaltou que os cidadãos de sua cidade conhecem o poder de destruição das bombas atômicas e, por isso, não podem aceitar a realização de testes nucleares.

Na capital japonesa a notícia sobre o teste nuclear também causou revolta e preocupação. O aposentado Masaharu Akihito, 68 anos, lembrou que a Segunda Guerra Mundial devastou o Japão e que o país deve fazer de tudo para evitar um confronto com a Coréia do Norte:

¿ Esse tipo de provocação não traz nada de bom para ninguém. Não entendo o que eles (norte-coreanos) querem, mas tenho medo só de pensar no pós-guerra do Japão, quando passamos fome.

Coreanos que vivem no Japão sofrem preconceito

Mas os que mais sofrem são os 600 mil coreanos residentes no Japão. A comunidade, formada por descendentes de trabalhadores trazidos à força da Península Coreana para trabalhar nas minas de carvão e fábricas bélicas do Japão antes e durante a Segunda Guerra Mundial, é hostilizada todas as vezes em que o governo de Pyongyang adota medidas radicais.

¿ O teste nuclear vai dificultar ainda mais o trabalho das pessoas que buscam melhorar a relação entre japoneses e coreanos ¿ afirmou Kiyow Minami, que é neta de coreanos e mantém o passaporte da Coréia do Norte apesar de ter nascido no Japão.