Título: A volta de Freud
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 16/10/2006, O GLOBO, p. 2

A 13 dias da eleição, as pesquisas dão ao presidente Lula uma vantagem eleitoral que recoloca em pauta a pergunta sobre o ambiente político que teremos caso ele seja reeleito. No melhor dos cenários, o respeito à vontade popular e ao interesse nacional (representado pelos problemas que precisam ser enfrentados), o espírito público e os interesses políticos dos maiores líderes do PSDB possibilitarão a distensão. No pior, a fração mais inconformada tentará transferir a disputa política para a arena jurídica, através de ações contra a reeleição de Lula.

Dê-se a isso o nome que quiser, essa possibilidade está relacionada com o esforço de setores da oposição para manter o ex-assessor presidencial Freud Godoy como suspeito de participação no caso do dossiê. Ele foi apontando como mandante pelo ¿comprador¿ Gedimar Passos, que depois se retratou. A partir de reportagem da revista ¿Veja¿ ¿ sobre suposto encontro de ambos na sala do diretor da PF, logo depois da acusação ter sido feita ¿, representantes de PSDB, PFL, PMDB oposicionista e PPS farão hoje uma nova ofensiva, acusando a PF e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de tentarem blindar Freud para proteger Lula.

¿ As instalações da Polícia Federal foram usadas na tentativa de encobrir um crime ¿ diz o deputado Roberto Freire, do PPS.

Marco Aurélio Garcia, coordenador da campanha petista, não acredita que, sendo Lula reeleito em segundo turno, com amplo debate e chance de escolha entre dois candidatos, a oposição vá se insurgir contra seu mandato, arriscando-se ao isolamento.

¿ O PSDB hoje é um partido muito controlado pelo PFL. Esse movimento é continuidade do esforço, exitoso, de empurrar a eleição para o segundo turno. A segunda aposta da oposição foi numa ¿virada¿ eleitoral a favor de seu candidato, que até agora, segundo as pesquisas, tem sido infrutífera. Não estou presumindo vitória, apenas me referindo às pesquisas. Um terceiro passo pode mesmo ser uma tentativa de forçar o ¿terceiro turno¿, com a retomada da estratégia de 2005. Chegaram a falar em impeachment, mas optaram por sangrar o presidente, subestimando a solidez de seu apoio popular. Para os que pensam no ¿terceiro turno¿, convém manter Freud na condição de suspeito, embora não haja nenhuma evidência de sua participação no caso do dossiê.

Esse movimento que a oposição deflagra contradiz, aparentemente, a moderação dos últimos programas de Alckmin. Nos próximos dias, dizem fontes da campanha tucana, a combinação vai ser essa mesma. Alckmin aproveitará o espaço para apresentar propostas de governo, como vem fazendo. Mas não deixará de lado o déficit ético do governo e do PT nem o caso do dossiê, inclusive no que diz respeito a Freud Godoy e à origem do dinheiro.

A campanha de Lula, entretanto, conseguiu levar o adversário para a defensiva na questão programática, ao acusá-lo de planejar novas privatizações e um doloroso ajuste fiscal. O ¿terrorismo eleitoral¿ só funciona quando a experiência, ou mesmo o discurso, lhe conferem credibilidade. O histórico do governo Alckmin em São Paulo faz isso, como demonstrou reportagem de Ricardo Galhardo ontem no GLOBO: nos últimos dez anos, as privatizações paulistas somaram R$77,5 bilhões, destinados a amortizar a dívida paulista, que, fermentada pelos juros, cresceu 33%. O coordenador econômico de Alckmin, João Carlos Meirelles, disse ontem que as privatizações são para ele ¿uma página virada¿. Uma dissimulação que não convence: ele deixou programado o leilão das ações da Nossa Caixa, abortado pelo futuro governador José Serra.

A reação tucana tem sido um esforço para apresentar Alckmin como ¿o austero¿ e Lula como ¿o gastador¿. Na entrevista ao GLOBO, Lula chegou a dizer que o país não precisa de ajuste fiscal para crescer. Outra dissimulação, que gente do próprio governo reformulou. Ele mesmo, anteontem, disse que será cortado ¿apenas o supérfluo¿.

Dissimulações bilaterais à parte, a experiência cola mais em Alckmin o rótulo de privatista do que em Lula o de gastador. Por isso a volta de Freud ao noticiário é de sua conveniência, pelo menos eleitoral. Reacende o caso do dossiê e pode ajudá-lo a sair do dilema programático.