Título: O PETISTAMENTE CORRETO
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 16/10/2006, Opinião, p. 7
Vamos combinar: Lula e o PT não podem ser criticados por questões éticas, porque pairam acima de qualquer suspeita. Toda cobrança é identificada a uma atitude que foge dos parâmetros do politicamente correto. Assim foi entendida a cobrança que Alckmin fez a Lula sobre a origem do dinheiro que seria utilizado na operação Cuiabá, montada por dirigentes petistas. O tucano foi considerado ¿agressivo¿ por formadores de opinião que fazem precisamente o jogo do ¿petistamente correto¿. Cobrar ética de Lula e do PT tornou-se uma forma de descontrole emocional, signo de agressividade. Desviar recursos públicos com finalidades privadas e partidárias, pode. Formar uma ¿sofisticada organização criminosa¿ para tomar de assalto o Estado, pode. Cobrar essas ¿atitudes¿, não pode!
As discussões sobre o debate e as suas repercussões já vêm enviesadas, pois se situam na ótica da recepção dos que, vendo o debate e procurando diminuir o desempenho superior de Alckmin, visaram a cobri-lo do manto da ¿agressividade¿ e do ¿autoritarismo¿. A operação montada pelo PT foi muito bem executada, lançando os seus pitbulls ao ataque, travestidos do manto da virgindade ultrajada, respaldados por pseudo-intelectuais, que já não têm com a verdade nem a mais remota proximidade.
Alckmin, no debate, mostrou um outro comportamento, revelando-se uma pessoa que sabe cobrar e exercer a autoridade. Não houve nenhuma manifestação de cunho autoritário, salvo sob o modo da recepção por um imaginário social que confunde autoridade com autoritarismo. Talvez, segundo esse imaginário, a omissão de Lula em face das suas próprias responsabilidades seja vista sob a ótica de uma personalidade não autoritária. A omissão tornou-se sinônimo de tolerância. Tolerância com o direito alheio ou com a corrupção? Agora surge uma nova agenda. E nesta não cessa de martelar a pergunta: qual é mesmo a origem do dinheiro?
Lula foi acuado e procurou, no debate, voltar a tomar a iniciativa. Isto ficou visível nas suas repercussões, pois ministros e líderes petistas passaram a ocupar, orquestradamente, os meios de comunicação, seja com mentiras, seja com comportamentos destemperados, seja com atitudes autoritárias.
As mentiras foram protagonizadas por Marta Suplicy e pelo próprio Lula, segundo os quais Alckmin iria privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Marilena Chauí saiu ao seu encalço falando de um falso projeto de privatização das universidades. A tática foi formulada por Goebbels: repetir tantas vezes uma mentira quanto necessário, de modo que ela passe a ser vista como verdade. E, a propósito das privatizações, essa tática tende a ser eficaz, pois o governo anterior jamais fez uma defesa veemente dos processos de privatizações, como se esses fossem um mal menor. Não se fala em que a privatização da Telebrás tornou possível que todos os cidadãos deste país possam hoje ter um telefone celular. Antes, era um objeto de luxo, das elites. Tampouco se fala dos ganhos enormes em produtividade, modernização e competitividade dos setores de siderurgia, mineração e aviação. A opinião pública não foi suficientemente informada dos benefícios das privatizações.
Os comportamentos destemperados foram protagonizados por Ciro Gomes. Depois de ter se aliado aos homens da cueca no Ceará, ele vem se colocar como arauto da moralidade. O seu comportamento de oligarca de Sobral lhe serve paradoxalmente para criticar as oligarquias brasileiras. Entretanto, tal comportamento pode apresentar bons efeitos eleitorais por ter como alvo os tucanos, tendo ele sido um membro do PSDB. A tarefa que lhe foi designada é a seguinte: ¿são todos iguais, fiquem, portanto, com o homem do povo!¿
As atitudes autoritárias estão representadas pelo ministro Tarso Genro, que se apressou a considerar como ¿fascistas¿ as declarações de Alckmin no debate. ¿Fascista¿, por definição, é todo aquele que ousa criticar o PT. ¿Fascista¿ é aquele que não segue o ¿petistamente correto¿. As declarações do ministro devem ser lidas como um sintoma, o de que os tucanos utilizaram uma estratégia que eles não esperavam. Foram ¿politicamente incorretos¿. Surge, mais uma vez, o viés autoritário do PT que se esconde sob o véu de uma acusação de autoritarismo ao adversário.
DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.