Título: PEQUIM TEME INVASÃO DE REFUGIADOS
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Fonte: O Globo, 16/10/2006, O Mundo, p. 20

Queda do regime poderia desencadear fuga em massa de norte-coreanos

SEUL. O governo chinês não admite publicamente, mas especialistas da região são unânimes em apontar as duas razões que fazem Pequim proteger e financiar a ditadura de Kim Jong-il. Uma delas, de cunho político, é o óbvio incômodo de uma Coréia unificada, capitalista e poderosa no seu quintal. A outra é de ordem prática: o medo da provável invasão de milhares de norte-coreanos com uma possível queda do regime.

Hoje, a única maneira de fugir ao regime brutal de Kim Jong-il é pelos 500 quilômetros do Rio Tumen, que separa os dois países, não pela pesadamente vigiada Zona Desmilitarizada entre a Coréia do Norte e a Coréia do Sul. Uma imigração em massa teria um efeito desestabilizador que a China, às vésperas das Olimpíadas de 2008, não deseja.

¿ A adoção de sanções pela ONU não vai impedir nosso trabalho ¿ diz Hong Sang Young, vice-diretor da ONG Korean Sharing Movement, dedicada a ajudar os norte-coreanos através de programas de treinamento de trabalhadores e financiamento de pesquisas. ¿ A ajuda humanitária costuma ficar de fora das sanções e contamos com isso.

Estima-se que 20% dos norte-coreanos dependem de ajuda

Hong, que há dez anos ajuda comunidades de norte-coreanos, diz que pelo menos 20% da população do país, estimada em cerca de 25 milhões de pessoas, dependem de ajuda humanitária para sobreviver.

Esse contingente é o número que a China teme. Não há estatísticas sobre a quantidade de norte-coreanos que todos os anos tentam chegar ao outro lado da fronteira, até porque a China não os considera refugiados. O regime amigo de Kim Jong-il pede que a China devolva a Pyongyang todos os norte-coreanos descobertos em território chinês, o que é prontamente atendido por Pequim, que considera os coreanos ¿imigrantes ilegais¿.

Este contingente de refugiados invisíveis, estimado em 300 mil pessoas segundo a revista americana ¿Newsweek¿, vive escondido na China, dependente da ajuda de chineses que os exploram de todas as maneiras, seja trabalhando em longas jornadas sem amparo legal, seja em ocupações à margem da legislação, como prostituição. Este ano, o alto comissário para Refugiados da ONU, o português António Guterres, tentou sensibilizar Pequim para que aceite os norte-coreanos como refugiados. Não foi bem-sucedido.

¿ Quando a comunidade internacional adota sanções contra a Coréia do Norte, os mais prejudicados são os norte-coreanos, não Kim Jong-il ¿ diz Hong Sang Young.

ONG acusa China e Coréia do Sul de insensibilidade

Fundada em 1999, a Comissão para Ajuda dos Refugiados da Coréia do Norte (CNKR) denuncia não apenas o governo chinês pela falta de sensibilidade sobre o assunto. Kim Sang-chul, presidente da ONG, não poupa nem Seul. ¿A Coréia do Sul considera os norte-coreanos imigrantes econômicos¿, diz ele no site da entidade, numa maneira sutil de afirmar que os sul-coreanos encaram os vizinhos do norte apenas como gente em busca de um trabalho que pague melhor.