Título: RESERVAS INTERNACIONAIS CHEGAM A US$ 74,9 BI
Autor: Patricia Duarte e Roanldo DErcole
Fonte: O Globo, 17/10/2006, Economia, p. 21

Volume é maior do que recorde de 1998, supera compromissos externos e serve de colchão contra eventuais crises

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O Brasil nunca teve reservas internacionais tão elevadas em sua história: US$74,954 bilhões, acumulados até a última sexta-feira, segundo o Banco Central (BC). O valor ultrapassa o recorde anterior de US$74,656 bilhões, obtido em abril de 1998. Com tantos dólares em caixa, o governo consegue criar um colchão bastante confortável, na avaliação dos especialistas, para enfrentar eventuais crises internacionais, que poderiam assustar os investidores e gerar fuga de capitais.

Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, lembra que, em 2002, antes da eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o país enfrentou uma crise de credibilidade e, com reservas baixas ¿ em torno de US$37 bilhões ¿, a cotação do dólar chegou a R$4, alimentando a inflação.

¿ Com reservas internacionais elevadas, pode-se reduzir o tamanho do ajuste para enfrentar cenários de crise ¿ avalia Rosa.

Apesar de ser um dado positivo, os especialistas também chamam a atenção para o fato de as reservas elevadas terem custo alto. Isso porque o BC aplica os recursos em títulos lá fora, mais seguros mas com remuneração menor. A autoridade monetária acaba tendo de arcar com emissões baseadas na taxa básica de juros, a Selic, hoje em 14,25% ao ano, para fazer frente a compromissos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa básica está em 5,25% ao ano, uma das referências para os rendimentos de papéis públicos locais.

Ao anunciar o valor das reservas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, rebateu as críticas dos que avaliam não valer a pena manter reservas tão altas, já que os juros da dívida interna são muito maiores que os ganhos obtidos com as aplicações das reservas.

¿ Se há custos de administração (das reservas), elas permitem reduzir o risco-país e os juros para o país captar recursos no mercado internacional. Isso compensa perfeitamente o que se está gastando a mais ¿ disse.

Desafio do país ainda é volume da dívida interna

Mantega ressaltou que a diferença entre o novo recorde e o obtido em 1998 é que, na época, a dívida externa do governo era de US$76 bilhões:

¿ É o maior volume da História, com a vantagem de que as reservas hoje são superiores ao total da dívida externa do governo federal, de US$63 bilhões. Na prática, portanto, temos um crédito ¿ afirmou Mantega.

Rosa, da SulAmérica Investimentos concorda com o ministro da Fazenda:

¿ O custo é alto, mas o BC está correto neste momento ¿ diz o economista.

O secretário do Tesouro, Carlos Kawall, disse que o governo continuará ampliando suas reservas, embora não exista uma meta estimada para o valor.

¿ É difícil dizer qual é o ponto ideal. Anos atrás se falava em US$40 bilhões. Hoje temos quase o dobro disso e podemos ter mais ¿ disse Kawall. ¿ A recuperação de reservas pode continuar. Não temos ainda um nível de reservas que se iguale à dívida externa total do país. Muitos países têm mais reservas do que dívida externa total.

Segundo Kawall, a política de recuperação de reservas é um bem, não só a curto prazo para fazer frente a eventuais turbulências, mas também para as gerações futuras.

¿ A possibilidade de você ter um volume de reservas bastante robusto reduz significativamente o risco de surtos inflacionários vindos do câmbio ¿ afirmou o secretário.

Segundo ele, a eliminação desse tipo de risco é muito importante para o alongamento dos prazos da dívida interna, que ainda é o grande desafio do país. A dívida mobiliária federal interna soma hoje R$1,039 trilhão, sendo que 42,5% desse total estão atrelados à Selic.

¿ Embora haja um custo (de manutenção de reservas elevadas), evidentemente há benefícios. Não dá para querer só benefícios, sem custos. Uma espécie de Lei de Gérson ¿ ponderou.

A existência de uma posição confortável de reservas, acrescentou Kawall, também é importante para a queda dos juros na economia, uma vez que reduz o prêmio de risco cambial que acaba embutido nas taxas de juros.

¿ Essa política contribui para a redução sustentada da taxa de juros a médio e longo prazo ¿ disse.

Para analistas, dólar poderia estar abaixo de R$2,10

Os economistas entendem ainda que o crescimento das reservas internacionais está em linha com a disposição do BC de não deixar o dólar cair mais em relação ao real. A autoridade monetária nega que compre dólares para evitar mais desvalorização e sempre justifica suas investidas com a necessidade de fortalecer as reservas. Para alguns especialistas, a cotação do dólar ¿ hoje em torno de R$2,13 ¿ poderia estar abaixo dos R$2,10, caso houvesse intervenção do BC no mercado.