Título: BRASIL PERDE ESPAÇO
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 17/10/2006, Economia, p. 19
Baixo crescimento e câmbio valorizado fazem país receber menos investimento direto
Adespeito do cenário internacional favorável, o Brasil perdeu espaço entre os países que receberam maior volume de investimentos diretos estrangeiros (IDE) em 2005. Relatório divulgado ontem pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostra que, depois de atrair US$18,146 bilhões em 2004, o país viu essa cifra recuar para US$15,066 bilhões no ano passado ¿ o equivalente a uma queda de 17%. Com isso, caiu da 10ª para a 14ª colocação no ranking mundial.
O Brasil também perdeu posição entre as chamadas economias emergentes. Saiu do 4º para o 5º lugar, superado, pela ordem, por China, Hong Kong (a Unctad faz aqui uma diferenciação), Cingapura (que veio da 7º colocação em 2004) e México. A participação brasileira no fluxo global de IDE, que chegou a 2,6% em 2004, despencou para 1,6% em 2005. Entre os emergentes, foi de 5,8% para 4%.
Por trás desses números está a baixa taxa de crescimento da economia brasileira e a forte valorização do real frente ao dólar. Segundo a Unctad, este último tópico pode explicar o caso de empresas que voltaram atrás em investir no Brasil para exportar. ¿A contínua apreciação de sua moeda pode também ter influenciado negativamente os projetos orientados para exportação¿, diz a Unctad em seu relatório.
AmBev influenciou números de 2004
A instituição reconhece que parte da queda se deve ao efeito da aliança entre a brasileira AmBev e a belga Interbrew, que inflou os números de 2004. Mesmo assim, ressalta que o Brasil perdeu espaço num momento de recuperação dos investimentos diretos estrangeiros no mundo. O fluxo global atingiu US$916,2 bilhões em 2005, 29% a mais do que o registrado em 2004. Entre os emergentes, o aumento foi de 18,8%. O Reino Unido foi o maior receptor de IDE no mundo, beneficiado pela unificação das duas controladoras do grupo petroleiro anglo-holandês Royal Dutch/Shell (US$74 bilhões), cuja sede única foi transferida para Haia.
A disparidade deve se manter neste ano, segundo as primeiras estimativas da Unctad. Para um crescimento de 20% previsto para o conjunto dos países, o Brasil poderá ter uma redução de 2% (para US$14,8 bilhões). A estimativa conflita com a da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), parceira da Unctad no país, que prevê um resultado de US$16 bilhões em 2006 para o Brasil (alta de 6,7%). Até agosto, segundo o Banco Central, o acumulado no ano era de US$13,6 bilhões.
¿ É natural que, por seu porte, o país continue a receber um volume expressivo de investimentos, mas é verdade também que estamos perdendo posições. O Brasil terá de ser mais eficaz ¿ afirmou o economista Claudio Haddad, presidente do Ibmec São Paulo.
Haddad chama a atenção para o fato de o IDE recebido pelo Brasil em 2005 ter correspondido a 25% do seu PIB, contra 30% na média dos emergentes e 36% no caso de China e Hong Kong. Usando dados oficiais do BC, o economista mostrou que o país recebeu uma média anual de US$28,2 bilhões de IDE entre 1998 e 2001, período que concentrou o processo de privatizações. Entre 2002 e 2005, a média desabou para US$15 bilhões.
País está numa etapa à frente
Para o diretor de Pesquisa Macroeconômica do Bradesco, Octávio de Barros, a maior parte do capital que entra em países como China e Rússia ¿ recém-ingressos no capitalismo ¿ é usado em novos investimentos, ao passo que o Brasil já passou por essa fase.
¿ O Brasil já foi a China nas décadas de 60 e 70.
Mas ele reconhece que o PIB do país tem crescido abaixo do seu potencial, com influência sobre o apetite dos investimentos estrangeiros. Barros enumera como problemas para a criação de um melhor ambiente de negócios a alta carga tributária, a deterioração da infra-estrutura e o alto custo do capital.
¿ O Brasil precisa de uma política pró-ativa ¿ reforçou o diretor-técnico da Sobeet, André Costa Carvalho.
Em seu relatório, a Unctad deu destaque ao crescente grau de internacionalização das empresas com sede em países em desenvolvimento. Juntas, elas já somam um estoque de US$1,4 trilhão em IDE. Das 500 maiores empresas do mundo listadas pela revista ¿Fortune¿ em 1990, apenas 19 eram de países em desenvolvimento. Esse número pulou para 47 em 2005 e 58 neste ano. A internacionalização foi o caminho escolhido para diversificar mercados e reduzir custos.
Chineses lideram em múltis emergentes
Essa mudança é capitaneada pela Ásia. De acordo com a Unctad, 77 das 100 maiores transnacionais de países em desenvolvimento têm origem na região. O setor privado no Brasil não tem apresentado a mesma velocidade. Entre as 50 maiores multinacionais de países emergentes, o Brasil está representado por apenas três: Petrobras, Vale do Rio Doce e Gerdau, cujos desempenhos estão ligados ao setor primário. A primeira da relação é a chinesa Hutchison Whampoa Limited, gigantesca corporação de telecomunicações, varejo, hotelaria etc, com 80% de ativos no exterior.