Título: FALHA NA APURAÇÃO REVOLTA EQUADOR
Autor: Mariana Timoteo da Costa
Fonte: O Globo, 17/10/2006, O Mundo, p. 25

Sistema de empresa brasileira trava e atrasa resultados. Autoridades negam acusações de fraude

Os equatorianos demonstraram revolta, ontem, com a lentidão na apuração dos votos e divulgação dos resultados das eleições presidenciais de domingo. O maior alvo foi o consórcio brasileiro E-Vote, contratado pelo Tribunal Superior Eleitoral do Equador (TSE) por US$5,2 milhões (R$11,1 milhões) para realizar a contagem rápida dos votos. Devido a uma ¿falha no sistema¿, não detalhada pela empresa, a E-Vote só conseguiu apurar 70,6% dos votos até as 3h (5h, horário de Brasília) de segunda-feira, dando a vitória parcial ao candidato do Prian, o populista de direita Álvaro Noboa, com 26,7% dos votos. Logo atrás vem o nacionalista de esquerda Rafael Correa, com 22,51%. Os dois devem disputar o segundo turno em 26 de novembro.

Pelo contrato, no entanto, o resultado da votação teria que ser entregue ao TSE até as 20h (22h no Brasil) do domingo. O presidente do TSE, Xavier Cazar, disse que cancelaria o contrato do E-Vote, estaria em negociações para reaver a quantia (metade do valor já foi pago) e estudava processar o consórcio, formado pelas empresas Viatelecom e Probank, com sede em Belo Horizonte. No entanto, o diretor do E-Vote, Santiago Murray, negou o cancelamento do contrato. No final da noite de ontem, a empresa prometeu divulgar todos os resultados ainda na madrugada.

¿ Não recebi nenhum comunicado do TSE. Pelo que sei, continuamos trabalhando, peço desculpas a todos os equatorianos pelo contratempo, vamos entregar o resultado tarde, mas entregaremos, talvez amanhã (hoje) de manhã ¿ disse Murray, que convocou uma coletiva de imprensa na tarde de ontem, depois de ser acusado pelos meios de comunicação equatorianos de ter fugido do país.

As declarações vagas do diretor do E-Vote irritaram jornalistas. Um dos principais âncoras da TV equatoriana, Carlos Vera, da Ecuavisa, jogou, em pleno ar, uma cópia do contrato entre o TSE e a E-Vote no chão:

¿ Isto é uma porcaria, fomos enganados. Esses estrangeiros precisam ser extraditados.

Dezenas de partidários de Rafael Correa se dirigiram em protesto à sede do TSE, em Quito, para pedir a realização de um novo pleito e a extinção da instituição. Correa alega que estava em primeiro lugar na apuração até um certo momento e, quando o sistema da E-Vote começou a ficar lento, Álvaro Noboa passou à frente.

¿ Pelas nossas contas, tínhamos 31% dos votos, como ficamos com 22%? ¿ indagou Correa.

Mas tanto a E-Vote como o TSE e a Organização dos Estados Americanos (OEA) garantem que não houve fraude na contagem dos votos. O resultado que dá a vitória a Noboa também condiz com duas grandes pesquisas de boca-de-urna, que apontavam a ida dele e de Correa para o segundo turno, mas com uma diferença menor do que a mostrada até ontem pelas urnas. Santiago Murray disse que o sistema falhou na transmissão e não no armazenamento dos dados, e que uma cópia, em CD, de todas as atas de votação processadas pela E-Vote estão em poder da OEA que, por sua vez, não se pronunciou ontem.

Um analista de sistema da E-Vote, que não quis se identificar, deu ao GLOBO uma versão diferente da de Santiago Murray: grande parte dos mais de cem funcionários da empresa já teria deixado Quito, ontem.

¿ Começamos muito bem a apuração para presidente. Cada presidente de mesa apurava os votos de sua seção, os dados da ata eram transmitidos por telefone à nossa central de computadores, onde eram lançados no computador. Até que o sistema começou a ficar muito lento, e não conseguimos resolver a tempo. Às 3h de segunda, o TSE nos mandou embora. Estou arrasado, penso que não há mais nada a fazer aqui ¿ disse ele.

Atraso também para os deputados

Como os dados do E-Vote eram oficiais, mas preliminares, o TSE realiza uma contagem paralela dos votos, que deve ser concluída na quinta-feira.

A E-Vote também não entregou a apuração das cédulas de deputado, prometida para a meia-noite de ontem (2h em Brasília), e o tribunal realiza a contagem, mas os resultados gerais só devem sair daqui a dez dias.

Com a composição do Congresso completamente incerta, os candidatos ao segundo turno ficam de mãos atadas para a realização de alianças para a nova campanha.

¿ Não que elas sejam essenciais, já que tanto o Prian como a Aliança País foram eleitos justamente por não serem partidos políticos tradicionais ¿ avalia o cientista político Felipe Burbano, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).

Para Burbano, caso sejam feitas, as alianças ocorrerão ¿muito embaixo do pano¿, porque Noboa, e, principalmente, Rafael Correa, não querem ¿dever favores a nenhum partido.¿

¿ Na verdade, eles vão precisar articular alianças muito mais para depois da eleição do que agora. Como o país está polarizado, e nenhum candidato deve obter uma grande votação sobre o outro, eles vão precisar de apoio político se quiserem permanecer os quatro anos de mandato no cargo ¿ diz Burbano.