Título: Salgar a terra
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/10/2006, O GLOBO, p. 2

O presidente Lula tem dito e repetido, ao acusar seu adversário Geraldo Alckmin de enterrar 69 CPIs na Assembléia Legislativa paulista, que seu governo deixou instalar três. Diz ainda que, por ele, o Congresso pode fazer quantas outras quiser. Não foi bem assim: as CPIs de 2005 saíram porque o governo não teve maioria para impedi-las. Pela mesma razão, sofreu ontem uma dura derrota, com a convocação, pela CPI dos Sanguessugas, dos aloprados do dossiê contra Serra.

Foi aprovada ainda a queba do sigilo bancário de Freud Godoy, o único entre os envolvidos diretamente ligado a Lula, e a convocação de Ricardo Berzoini, presidente afastado do PT. Se Lula for reeleito, como continuam a indicar as pesquisas, e não quiser enfrentar logo depois a turbulência de uma CPI (que terá como primeiro efeito colateral a paralisia do Congresso neste resto de ano, deixando de aprovar tantas matérias atoladas), deveria fazer com que as investigações sobre o dossiê e a origem do dinheiro apreendido fossem concluídas logo. De preferência antes do segundo turno. Não será preciso mandar a PF torturar ninguém, para usar um pretexto que ele tem usado para justificar a demora. Basta que os aloprados e seus parceiros do PT paulista ¿ principal interessado numa armação contra José Serra ¿ saiam do acovardamento em que se recolheram e prestem todas as informações.

O pós-eleitoral anuncia-se tão sangrento quanto a campanha. A oposição vai travar a batalha jurídica pela impugnação da candidatura de Lula no TSE, como deixou claro ontem ao pedir a investigação sobre suposta proteção da PF a um conchavo que teria havido entre os envolvidos para combinar versões e blindar Freud Godoy. Lá já tramita o pedido de impugnação alegando que Lula tentou interferir no processo eleitoral com o dossiê.

A CPI deve tornar-se outra arena de continuidade da luta. O máximo que o governo conseguiu ontem foi transformar em convite a convocação do ex-ministro da Saúde e governador tucano eleito de São Paulo, José Serra, de modo a garantir o mesmo tratamento para os ex-ministros de Lula, Humberto Costa (PT) e Saraiva Felipe (PMDB).

O PT e os aliados também sobem o tom, acusando a oposição de, diante da derrota que as pesquisas sugerem, estar preparando o terreno para um acerto de contas jurídico, frustrando a vontade popular com a impugnação ou coisa parecida. Neste caso, o melhor é salgar a terra, e o sal a ser usado é o rápido esclarecimento de toda a operação tabajara, que certamente envolve mais gente.