Título: NINGUÉM QUER INVESTIR MAIS NO BRASIL¿
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Fonte: O Globo, 18/10/2006, O País, p. 11

Alckmin diz que política econômica de Lula está levando ao desmonte do parque industrial do país

O senhor disse que a pessoa pública tem que prestar contas e, por isso, os governos precisam ser investigados. O Legislativo faz isso, é uma das funções. Quando falam das suas 62 CPIs engavetadas, o senhor dá um argumento burocrata, diz que tem uma legislação. Já que o senhor está convencido de que uma das funções republicanas do Legislativo é investigar, não caberia ao senhor deixar ser investigado? O senhor teve um governo que não foi investigado.

ALCKMIN: CPI é coisa séria, não deve ser objeto de luta partidária.

Qualquer governante pode dizer isso. Todos dizem a mesma coisa.

ALCKMIN: Mas veja bem: as CPIs em São Paulo foram de juiz de futebol, o juiz roubou o jogo e tem CPI do Apito, CPI do Bingo, do Ibope...

Do Rodoanel, da Febem...

ALCKMIN: A Febem é uma instituição que não tem irregularidade; tem dificuldade com a questão do menor infrator.

A Febem teve denúncia de tortura feita pelo MP, morte, 30 rebeliões por ano. Claro que tem que investigar.

ALCKMIN: Se há um estado que investiu na questão do menor infrator foi São Paulo.

Não houve denúncia de corrupção, tortura?

ALCKMIN: Corrupção, não. Demitimos os funcionários, todos eles. Tem sete mil funcionários. Alguém errou, você pune.

A CPI se justificava para debater esse assunto. Mas o senhor fugiu da pergunta das CPIs.

ALCKMIN: Vou responder. Legislativo é outro poder. Governador não manda na Assembléia. Perdi. Não tem nenhum membro do PSDB na Mesa Diretora da Assembléia de São Paulo. Fomos derrotados fragorosamente.

Voltando à questão política: o senhor está aqui dentro com o filho de Cesar Maia (o deputado Rodrigo Maia). A filha de Garotinho o senhor deixou lá fora, gritando (Clarissa Matheus levou uma claque para a porta do GLOBO)... Sua aliança com Garotinho no Rio não foi um erro?

ALCKMIN: É óbvio que a governadora do Rio (Rosinha Garotinho) foi muito perseguida pelo governo Lula, o Rio foi muito discriminado. E o ex-governador Garotinho, todo mundo sabe da divergência que ele tem com o PT. É histórico...

Lula já fez campanha aqui com Garotinho. Garotinho é cria do Lula...

ALCKMIN: Não, do Brizola.

Mas se elegeu aqui em coligação com o PT.

ALCKMIN: Enfim, mas depois romperam. E a divergência vem desde a eleição passada.

E a sua frase ¿diga-me com quem andas que eu te direi quem és¿?

ALCKMIN: Está mantida. No primeiro turno, ele (Garotinho) declarou voto para Heloísa Helena. Vão para o segundo turno Geraldo e Lula. Óbvio que ele não ia apoiar Lula. Aliança nenhuma, é um apoio, muito obrigado. Minha candidata aqui continua sendo Denise Frossard.

O senhor vai desfilar com o Garotinho na campanha? Há algum programa previsto com ele?

ALCKMIN: Não.

Por que não faz?

ALCKMIN: Pode fazer, não tem problema nenhum. Apoio se recebe, não tenho compromisso que não seja com o interesse público.

Mas Lula diz isso também quando recebe apoio de Jader Barbalho, Newton Cardoso...

ALCKMIN: É bem diferente. Não fiz mensalão, não escolhi no Congresso o que há de mais atrasado, não comprei deputado. São coisas bem diferentes!

Mas a sua frase ¿diga-me com quem andas que eu te direi quem és¿ não começa com a frase ¿Apoio se aceita¿?

ALCKMIN: Não tem nada a ver uma coisa com a outra.

O PT está comparando o caso do dossiê com o que eles chamam de benevolência do seu governo com o PCC. Como o senhor vê essa história de que o PCC tomou conta do sistema prisional de São Paulo e o governo não fez nada?

ALCKMIN: Não é comparável. Os líderes do PCC estão em penitenciária de segurança máxima, RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). E os criminosos do dossiê estão leves e soltos passeando pelo Brasil, debochando da opinião pública. Eu enfrentei, e queria destacar dados do Ministério da Justiça: em crimes contra a vida, o Estado de São Paulo é o 22º do Brasil, com população maior que a Argentina. Derrubamos os índices de criminalidade. O Jardim Ângela é case mundial de redução de homicídio, latrocínio, estupro. Em São Paulo, caiu 52% o número de homicídios, no estado caiu 63% o de latrocínios. Tiramos 90 mil bandidos da rua e botamos na penitenciária. O Carandiru, hoje, só em filme do Hector Babenco, aquilo era um escândalo. No governo anterior ao do Mario Covas, morreram 111 pessoas numa rebelião. Hoje tem Parque da Juventude, escola técnica, Faetec, coisa maravilhosa, teatro. Vai inaugurar no fim do ano. Quando falei que ia acabar com o Carandiru, guardei 14 editoriais dizendo: ¿Mais uma promessa¿. Ninguém acreditava. Em 12 meses, fizemos 12 unidades prisionais e acabamos com aquilo que vinha de décadas. Quando houve ataques, passei a noite inteirinha na rua, posto policial por posto policial, na periferia. Isso era guerra de opinião pública. O que o governo do PT fez? Cortou dinheiro do fundo penitenciário pela metade, cortou dinheiro do fundo de segurança, criou força federal que não tem um policial federal, só dos estados.

Apesar de estar no meio desse tiroteio por causa do dossiê, o fato concreto é que a Polícia Federal realizou ações interessantes, desbaratou quadrilhas. E passou a idéia de que conseguiu pegar pessoas influentes, políticos. Queria que o senhor fizesse uma avaliação da PF.

ALCKMIN: É excelente a polícia. Aliás, quem reabriu a academia foi o presidente Fernando Henrique, que fez concursos públicos, trabalhou contratos de financiamento, modernização. A polícia é boa, o governo é que é ruim, dá péssimo exemplo. Está publicado numa das grandes revistas do país: dentro da Polícia Federal vai assessor direto do presidente, vão membros do governo para tirar preso de cela e combinar o que falar.

E o ministro Márcio Thomaz Bastos?

ALCKMIN: Se comportou mais como advogado do PT do que como ministro da Justiça. Se há grande decepção é em relação a isso. Separação entre governo e partido, é promiscuidade no governo do Lula.

O senhor foi ou é da Opus Dei? E, na sua visão, qual é o ideário? Dizem que é de extrema direita.

ALCKMIN: Não sou da Opus Dei, se fosse diria. Não vejo problema, respeito pessoas de fé, que têm religião. Respeito muito quem tem fé, quem não tem, é questão de foro íntimo. O que ganho de medalhinha, santo, santinho, imagem, terço... Sérgio Buarque de Holanda dizia que o brasileiro é um homem cordial. Diria que é mais cordial: é cordial, afetivo, caloroso, carinhoso. Estou fazendo lá um arquivo desses presentes...

E as reuniões que o senhor tinha no Palácio com membros da Opus Dei?

ALCKMIN: Algumas vezes fizemos. Gosto de estudar religião, teologia. Minha leitura quase que diária é teologia. Estudei muito história das religiões. Tenho longas conversas com nosso rabino Henry Sobel, brinco que ele é nosso pastor.

Só curiosidade intelectual?

ALCKMIN: Não só. Tenho fé, sou católico. Mas não tenho vínculo dentro da igreja. Se tivesse, diria. E é bom que se diga que o fundador da Opus Dei é santo. Foi canonizado pela Igreja católica. Mas querer tirar proveito político disso é lamentável. Até porque não sou da Opus Dei. Se tenho vínculo, é muito mais com os franciscanos. Meu pai e minha irmã são de lá.

O senhor criticou a taxa de juros aqui como alta, mas é a menor que se pode comparar, porque não se pode comparar antes da queda da inflação. Como o senhor tem a coragem de criticar uma taxa de juros que é menor, e está caindo, se no governo do seu partido foi tão mais alta?

ALCKMIN: O governo anterior, do Fernando Henrique, enfrentou quatro crises internacionais. Você tem sua moeda em especulação, tem que defender sua moeda. O governo poderia ter tido política fiscal de melhor qualidade. Aí poderia ter política monetária com juros mais baixos. Mas teve crescimento dos países emergentes muito forte, e nós não crescemos. E uma conjuntura de política fiscal frouxa, e o presidente não acredita nisso, já disse que não vai cortar gastos, ele aumenta gastos. E, de outro lado, uma política monetária dura e aí embutido o custo PT. Porque se você passa 25 anos dizendo uma coisa e faz outra, é claro que a credibilidade é baixa. Então o dólar se desvalorizou exageradamente, o país não cresce, saldo da balança comercial enorme, juros muito altos. O que acontece? Estamos num processo de desindustrialização. A indústria vai bem, minério, siderurgia, mas não é mérito nosso, é a China que compra tudo. E tem uma enorme crise, indústria de sapato, de roupa, de móvel, de brinquedo, tudo fechando...

O câmbio é flutuante. Seu assessor Nakano disse que a solução seria colocar controle na entrada. Alguns países adotaram isso. Vocês discutiram isso? Como o senhor faria se o dólar não subisse? Interferiria no câmbio?

ALCKMIN: Não, defendo câmbio flutuante, administrado, como hoje. Só que o governo não age nas razões endógenas.

Administrado como? Explique melhor isso.

ALCKMIN: Administrado como o governo faz hoje. Só que ele está numa armadilha fiscal. Compra dólar, deixa lá fora, recebe 5%, emite título aqui dentro, paga 14% e está queimando dinheiro, pondo fogo em dinheiro público. Não age na origem.

Como seria na sua gestão?

ALCKMIN: Uma política fiscal de melhor qualidade, taxa de juros mais baixa...

Isso aí não é administração do câmbio...

ALCKMIN: Mas o câmbio é flutuante.

Mas o senhor disse que é câmbio flutuante administrado...

ALCKMIN: Administrado é que você pode comprar dólar, o governo já faz isso hoje. Mas não consegue segurar. E está numa armadilha fiscal, porque como a diferença de taxa de juros é muito grande, você está jogando dinheiro fora. E não segura o câmbio. Não tem solução mágica, mas política macroeconômica mais articulada, fiscal, curto, longo e médio prazo, você vai poder ter um quadro melhor. O que me preocupa hoje? É que estamos criando cenário para o futuro pior. É só ver a taxa de investimento, está caindo enquanto no mundo inteiro cresce. Ninguém quer investir aqui. Juros maior do mundo, carga tributária 40% do PIB, o dobro da Argentina, câmbio com dólar artificialmente desvalorizado. O pessoal vai para Argentina, China, Índia. É um desmonte do parque industrial. Ou a gente enxerga isso ou vamos ter problema. A ineficiência do governo tira a competitividade das empresas.

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