Título: UM NOBEL PARA A INCLUSÃO SOCIAL DOS NEGÓCIOS
Autor: RODRIGO BAGGIO
Fonte: O Globo, 20/10/2006, Opinião, p. 7

Acriação de um novo paradigma que humaniza o mundo dos negócios, pela convergência entre o empreendedorismo social e o segundo setor, acaba de conferir o respeitado Prêmio Nobel da Paz ao economista Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e conhecido como o banqueiro dos pobres. O modelo proposto por Yunus, o empreendedorismo de negócio social, defende o princípio de se pensar e agir de forma responsável e sustentável tanto na vida como nos negócios.

Essa releitura da economia vem impactando a Europa e está hoje no centro dos debates do setor da cidadania inglês com o incentivo do governo, que regulamentou a chamada ¿empresa social¿ (nome que a prática recebeu no país) por meio do instrumento jurídico intitulado Community Interest Company. Pelo menos 15 mil empresas sociais britânicas já operam conforme essa regulamentação, tendo uma associação que as representa, a Social Enterprise Coalition.

O conceito de social enterprise é definido em documento do Ministério da Indústria e Comércio da Inglaterra como iniciativa voltada, em primeiro lugar, para objetivos sociais, e cujos excedentes são principalmente reinvestidos no próprio negócio ou na comunidade, em vez de dirigidos pela necessidade de maximizar lucros de proprietários e acionistas. Trata-se de uma estrutura realmente inovadora, além de flexível e participativa, em que a ética empresarial é regulada pelos benefícios econômicos, sociais e ambientais do empreendimento. Recente pesquisa encomendada pelo governo inglês destaca o papel relevante das empresas sociais na atual economia britânica, compreendendo uma fatia do mercado de trabalho em torno de 500 mil pessoas.

A idéia ainda está amadurecendo no Brasil, onde sequer conquistamos um marco regulatório para o exercício das ONGs, mas existem iniciativas similares à da Inglaterra, e pioneiras, num dos países mais pobres do mundo: Bangladesh, na Ásia, onde vive o ganhador do Nobel da Paz 2006. Em fins de setembro, com o apoio da Ashoka Empreendedores Sociais e a convite do próprio Yunus, tive a oportunidade de viajar para lá. Cheguei no dia seguinte à passagem de um ciclone tropical, mais uma das constantes catástrofes naturais que afligem aquele pequeno país.

Bangladesh me deixou de olhos marejados por ser um quadro cruel da pobreza e da mortalidade precoce, apresentando contrastes culturais gritantes. Há pouco mais de 140.000km² de território, o equivalente ao estado do Amapá, mas a população é de 147 milhões de habitantes. Contudo, apesar das debilidades e dos imensos desafios, Bangladesh gerou dois dos casos mais emblemáticos de empreendedorismo de negócios sociais, que favorecem a sobrevivência sustentável das camadas mais pobres, sendo um deles o Grameen Bank.

Mais do que fornecer microcrédito sem a contrapartida de garantias, o que nenhuma instituição bancária havia feito antes, o Grameen desenvolveu um conjunto de 23 empresas sem fins lucrativos que responde por 22 mil postos de trabalho. Já liberou cerca de US$6 milhões para populações de baixa renda (sobretudo mulheres), influenciou 140 países a utilizar o sistema de microcrédito e mantém empreendimentos de negócios sociais em inúmeras áreas estratégicas ¿ como energia, telecomunicações, educação e agricultura ¿ visando a fomentar as economias locais.

Ao lado do Grameen Bank, outro grande exemplo de empreendedorismo de negócio social em Bangladesh é a Brac, maior organização não-governamental do mundo e a que mais emprega no país: perto de 100 mil funcionários. Tem quatro mil escolas, freqüentadas por um milhão de crianças, e no momento implementa ações em várias localidades asiáticas, nos mais diversos campos (inclusive no de direitos humanos), que beneficiam mais de 100 milhões de vidas.

Em pouco tempo, à semelhança da Inglaterra e de Bangladesh, poderemos também produzir exemplos de eficiência no terreno de vanguarda do empreendedorismo de negócios sociais. Segundo Yunus, a visão de futuro aposta nos resultados desse mix de práticas do setor da cidadania com elementos do universo empresarial, que unem atuação competitiva, sustentabilidade financeira e maximização dos benefícios sociais. A combinação tem tudo para viabilizar uma alternativa possível, que permita a experimentação de produtos e serviços voltados para nichos de mercado na base da pirâmide onde haja demandas não atendidas.

Mas, para decolarmos, será preciso mobilizar esforços rumo à confluência de iniciativas entre o setor privado e o da cidadania, o que fará do empreendedorismo de negócio social mais uma solução efetiva para colocar o Brasil num novo patamar de desenvolvimento socioeconômico. Afinal, para garantir o valor de suas ações, as empresas do século 21 também precisarão se comprometer com a sustentabilidade ambiental e ética de suas operações e decisões, e se preocupar, fortemente, com a função social do lucro que produzirem.

RODRIGO BAGGIO é diretor-executivo do Comitê para Democratização da Informática (CDI).