Título: ESQUENTOU DEMAIS
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 19/10/2006, O País, p. 2

O disparo do presidente-candidato Lula na pesquisa Datafolha e o encurtamento do tempo de reação para o candidato Alckmin fizeram subir demais a temperatura política. A oposição procura desesperadamente um fato novo que possa atingir Lula, boatos de toda natureza são espalhados e a violência verbal, dos dois lados, chega ao ponto crítico. A campanha de Lula busca contatos com dois tucanos que podem conter os ânimos, os governadores eleitos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

Mas precisa também segurar os seus. A frase que Alckmin disse ontem sobre o eventual segundo mandato de Lula - "acaba antes de começar" - provocou uma outra não menos descabida e infeliz, a do ministro Tarso Genro, dizendo que assim ele mostrou "seu lado Pinochet". Um exame cuidadoso das declarações de Alckmin na OAB mostra que ele fez previsões nefastas sobre o eventual segundo governo Lula, mas dizendo que ele já nasceria fraco e enfrentaria uma precoce campanha pela sucessão de 2010. Não foi uma ameaça udenista-golpista, na linha do que dizia Carlos Lacerda e a UDN sobre a candidatura de Juscelino Kubitschek: se for candidato não ganha, se ganhar não toma posse, se tomar posse não governa. Mas pareceu, e alimentou o temor crescente de petistas e aliados de que, perdendo a eleição nas urnas, a oposição tentará ganhar na arena jurídica, buscando invalidar a candidatura e a eleição de Lula com o caso do dossiê. E a oposição reforça mesmo esses temores com seguidos pedidos de investigação de crime eleitoral ao TSE. O temor do "terceiro turno" ganha o mundo, já não é discurso dos partidos e líderes da coalizão governista. Era assunto corrente anteontem no Canecão, no encontro de Lula com artistas e intelectuais.

É preciso baixar o tom: Lula e Alckmin têm muitas diferenças, mas ambos lutaram pela democracia e, até aqui, nunca atentaram contra sua difícil construção no Brasil. Alckmin não é Pinochet nem o PSDB vai sujar sua história com tentações golpistas. Nem existem evidências de envolvimento de Lula com o caso do dossiê. Há gente do PT envolvida, mas as investigações estão andando e a origem do dinheiro parece estar próxima. Nem deve o presidente estimular divisionismos, como ao dizer que o adversário, com a cabeça na Avenida Paulista, não teria sensibilidade para com os problemas das demais regiões do país. Esse ambiente acaba estressando as instituições.

Do lado do PT, emissários começaram a buscar contato com os dois tucanos que governarão Minas e São Paulo nos próximos quatro anos. Acreditam que Aécio e Serra, por seus perfis políticos e pelas responsabilidades que têm e terão, podem contribuir para baixar a temperatura. Já não parece possível esperar a eleição para se buscar a distensão. Ela está se tornando uma necessidade pré-eleitoral. Como se diz muito em Brasília durante a seca, pôr fogo no cerrado é fácil. Basta uma ponta de cigarro. O problema é controlar os ventos. E eles agora estão soltos.