Título: Troca de chumbo
Autor: Cristiane Jungblut/Adriana Vasconcelos/Gerson Cama
Fonte: O Globo, 19/10/2006, O País, p. 3

Alckmin diz que governo acaba se Lula for reeleito; Tarso chama tucano de Pinochet

Num acirramento do confronto a 11 dias da eleição, o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, provocou a ira do PT ao afirmar ontem que o governo acaba no dia seguinte, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito. O Planalto reagiu por intermédio do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, que acusou Alckmin de autoritarismo e disse que as declarações do tucano revelam "um lado (Augusto) Pinochet", comparando-o ao ditador chileno. Um dia depois de pesquisa Datafolha mostrar que Alckmin está 19 pontos atrás do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o tucano disse que, se o petista ganhar, serão mais quatro anos perdidos, porque a sucessão de 2010 entrará em pauta no dia seguinte.

- Já fui reeleito. Reeleição é um pouco mais do mesmo. Se o Lula for reeleito, o governo acaba antes de começar. No dia seguinte, já se começa a discutir 2010, discutir o futuro. Então, por que perder quatro anos? - indagou Alckmin na sabatina promovida pela OAB, na qual disse que trabalhará para acabar com a reeleição.

Alckmin cumpriu ontem em Brasília uma agenda com o claro objetivo de rebater acusações do PT de que planeja privatizar Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobras e Correios - o que, na avaliação de alguns aliados, podem ter motivado a queda nas pesquisas. Alckmin vestiu uma jaqueta com as logomarcas das quatro estatais - providenciada por sua assessoria - para reafirmar o compromisso de não vendê-las, durante uma visita à Associação Nacional dos Servidores do Banco do Brasil (Anabb).

Alckmin deu entrevistas reafirmando seu compromisso de não privatizar estatais. Prometeu "despetizar" o governo federal e essas empresas. Segundo o tucano, nos últimos quatro anos o PT e seus aliados promoveram a "privatização do aparelho do Estado".

- Estamos no 33º dia e ninguém sabe a origem do dinheiro para comprar o dossiê. Estão querendo distrair o eleitor com coisas mentirosas. De onde tiraram que eu ia privatizar Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios e Petrobras? O que vou fazer é despetizar o governo. Houve uma privatização do aparelho do Estado por um partido, baseado num projeto de poder. Não vou permitir é partidarização dessas instituições, que são do Brasil e não do PT - disparou.

Alckmin defendeu a política de privatizações promovida pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso:

- O foi que privatizado, foi corretamente privatizado. Veja o caso da telefonia. Antes a gente tinha que declarar telefone em imposto de renda. Hoje tem 90 milhões de pessoas só com celular. Fora telefonia fixa. Tivemos quase R$100 bilhões de investimento. A Embraer é uma empresa de sucesso, assim como a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional. Tanto fizemos avanços, que o governo fala, fala e não reestatizou nenhuma.

Diante da advertência feita pelo presidente da OAB, Roberto Busato, de que o segundo turno da campanha eleitoral poderia estar armando uma bomba relógio diante do clima de confronto, Alckmin acusou Lula de estar estimulando a divisão do país:

- O governo não pode estimular uma divisão do país. O Lula foi muito injusto quando citou São Paulo, um estado que o acolheu. Temos de ter a visão do país todo e não de dividir. Vou unir o país para o crescimento.

Evitando pôr em dúvida o resultado da última pesquisa do Datafolha, Alckmin salientou que as pesquisas internas do PSDB, assim como ocorreu ao longo de todo o primeiro turno, indicam resultado diferente:

- O segundo turno está esquentando agora. Pesquisa a gente não pode analisar de forma pontual, mas ao longo do tempo. A nossa pesquisa indica o contrário, mostra que a diferença está diminuindo. No dia 18 de setembro, o Datafolha me dava 21 pontos atrás do Lula, na eleição eu tive sete a menos. Um terço praticamente. Não é que haja erro, mas é um ponto fora da curva. Nossa pesquisa pelo terceiro dia consecutivo mostra que a diferença está diminuindo.

"Lado mais Opus Dei que republicano"

À tarde, em Brasília, o ministro Tarso Genro reagiu e disse que Alckmin lembra Pinochet quando afirma que o governo Lula já começaria fraco e acabaria antes de começar se o presidente for reeleito. Irônico, Tarso afirmou que o comportamento de Alckmin se assemelha ao de integrantes da Opus Dei, organização conservadora da Igreja Católica, do que ao de defensores das instituições republicanas.

- No debate que ocorreu na Bandeirantes, ele demonstrou seu lado vendedor, dizendo que iria privatizar o avião da República. Agora, está demonstrando um outro lado, que é mais perigoso, que é o lado Pinochet. Porque essa ameaça de dizer que um governo não vai começar, um governo que será eleito democraticamente pela população, revela um lado mais Opus Dei do que um lado republicano. Achamos que, seja quem for o eleito, seja Alckmin ou Lula, vai governar e vai governar com legitimidade. É assim que se comporta na República e na democracia e não fazendo ameaças, bravatas em relação às instituições - disse Tarso, que não quis responder se era ruim uma pessoa pertencer à Opus Dei, criada em 1923.

Augusto Pinochet liderou o golpe militar, em setembro de 1973, que resultou no fim do governo de Salvador Allende, eleito em 1970. A ditadura de Pinochet durou 17 anos.

Tarso também contestou declaração de Alckmin sobre a "petização" da administração pública, voltando a cobrar o tucano sobre a questão da criminalidade em São Paulo:

- Esse é o ponto de vista do nosso adversário, que não tem nenhuma relação com a realidade. Essa visão de despetizar não tem nenhum significado técnico e nenhum sentido político. É uma mera disputa eleitoreira. Aliás, uma das questões fundamentais que têm que ser repostas é a discussão da ética pública. O Alckmin sabia ou não que dentro da máquina estatal paulista estava se organizando a maior organização criminosa da história do país, de São Paulo, que tomou conta dos presídios, quase proporcionou uma insurreição da marginalidade e, inclusive, matou várias pessoas?

Outros petistas reagiram às declarações de Alckmin sobre a fragilidade de um eventual segundo mandato de Lula. O governador do Acre, Jorge Viana (PT), disse que o segundo turno deu legitimidade ao pleito eleitoral e que isso vai fortalecer o eventual segundo mandato do presidente Lula:

- Quem vai querer enfrentar um governo que passou por dois turnos? O Lula chega com força para o segundo mandato. A oposição vai ter que botar a viola no saco.

Para Jorge Viana, se o presidente Lula ganhar com uma vantagem de dez pontos percentuais, terá força para ampliar a base aliada. Disse que, se tivesse havido uma vitória apertada no primeiro turno, o governo estaria enfrentando a gritaria da oposição e até mesmo proposta de impeachment. Mas, nas circunstâncias atuais, disse acreditar Viana, isso não será mais possível.

- Para nós, a melhor coisa foi ter havido o segundo turno. O Lula está agregando base e ampliando o leque de aliados. O melhor articulador político do governo será o sucesso eleitoral deste segundo turno. Se fosse uma vitória de apenas 1% no primeiro turno, teríamos que enfrentar problemas e até mesmo a oposição propondo impeachment. Mas no segundo turno, Lula participou de debates, concedeu entrevistas e o PT recompôs a relação com a militância. Saímos fortalecidos - afirmou Viana.

O governador eleito de Sergipe, Marcelo Déda (PT), usa argumento semelhante ao de Viana e critica o tucano:

- É um paradoxo dizer isso, até porque causou muito sofrimento para o PT: mas o segundo turno trouxe legitimidade e um grande capital político para o presidente Lula. Esse cacife político vai ser empregado para reorganizar e pacificar o país.

- Já fui reeleito. Reeleição é um pouco mais do mesmo. Se Lula for reeleito, o governo acaba antes de começar. No dia seguinte, já se começa a discutir 2010. Então, por que perder quatro anos?

GERALDO ALCKMIN

- No debate na Bandeirantes, ele demonstrou seu lado vendedor, dizendo que iria privatizar o avião. Agora, demonstra o lado Pinochet

TARSO GENRO