Título: Juíza proíbe governo de gastar extraordinariamente R$1,5 bi
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 19/10/2006, O País, p. 5

BRASÍLIA. A Justiça Federal suspendeu a validade da medida provisória 324, assinada no último dia 4 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que autorizou a abertura de créditos extraordinários no Orçamento, no valor de R$1,504 bilhão, para custear despesas de nove ministérios. A liminar foi concedida em uma ação popular ajuizada pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que vinculou a liberação dos recursos a objetivos eleitoriais. Essas despesas não poderão ser executadas até que seja julgado o mérito da ação. Ainda não há data marcada para que isso aconteça.

O Ministério do Planejamento informou ontem que o governo cumprirá a decisão judicial, mas acrescentou que nenhum representante da pasta falaria sobre o assunto. O governo deverá recorrer da liminar.

Em sua decisão, a juíza da 2ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Candice Galvão Jobim, argumentou que, segundo a Constituição, os créditos extraordinários ao Orçamento só podem ser autorizados em casos extremamente urgentes e imprevisíveis - como guerra, comoção interna ou calamidade pública. Para ela, as áreas contempladas com a medida provisória não se enquadram nesse perfil.

Medida fora anunciada antes do 1º turno

'Não são hipóteses às quais a Constituição autoriza créditos extras'

BRASÍLIA. A medida provisória 324 destinou recursos a nove áreas da administração pública para ações diversas: combate à gripe aviária, fiscalização do Bolsa Família, manutenção dos sistemas de informática do Ministério da Fazenda, combate ao crime organizado no município de São Paulo, pagamento de despesas da Previdência Social, recuperação e manutenção de trechos rodoviários, melhoria da infra-estrutura de portos e ampliação de redes elétricas urbanas.

"Da análise dos motivos que justificam a edição da já mencionada medida provisória, verifica-se claramente que não se está diante de hipóteses às quais a Constituição Federal autorizou a abertura de crédito extraordinário. Isso porque não há, dentre as despesas a serem pagas por meio desse crédito, nenhuma que seja imprevisível e urgente, nos termos exigidos pela Carta Magna", escreveu a juíza.

Na liminar, Candice Jobim ressaltou ainda que a Constituição proíbe o governo de tratar de assunto orçamentário em medidas provisórias - a menos que o tema seja emergencial. "O administrador não pode lesar esses valores por meio de ato ilegal", alegou a juíza.

Dez dias antes, governo anunciara cortes

Ao ajuizar a ação, Jungmann considerou a medida provisória eleitoreira, por ter sido editada entre os dois turnos da disputa presidencial, liberando novos recursos do Orçamento. As críticas da oposição foram mais duras porque, dez dias antes dessa medida, o governo havia anunciado cortes de R$1,6 bilhão no Orçamento, para fazer frente às despesas já previstas.

Para viabilizar a liberação do R$1,5 bilhão previstos na MP 324, o Ministério do Planejamento informou que estava remanejando R$191 milhões em recursos do orçamento do Ministério dos Transportes e que usaria R$1,3 bilhão de superávit financeiro obtido no balanço patrimonial de 2005 e ainda não alocado.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO disseram porém, que as novas despesas teriam impacto no superávit primário (economia para pagar juros da dívida) e poderiam prejudicar o equilíbrio das contas do país.

Na opinião de Jungmann, a decisão da juíza demonstra um flagrante desrespeito à lei e ainda a inconstitucionalidade da MP 324.

- Este caso caracteriza um abuso de autoridade e desvio de finalidade no uso dos créditos extraordinários. A Constituição é clara a esse respeito - afirmou o deputado.

Jungmann considerou corajosa a decisão da juíza Candice Jobim, mas lamentou que o próprio Legislativo não tenha tomado as providências para rejeitar uma medida provisória que fere a Constituição.

- Infelizmente, o Legislativo não tem estado à altura do trator político eleitoral que o Executivo se tornou. O Legislativo, que teria de reagir neste caso, não fez nada, o que mostra a sua fragilidade diante do Executivo - disse o deputado.

(Carolina Brígido e Regina Alvarez)