Título: Dossiê: dinheiro saiu de banca de bicheiro, diz PF
Autor: Jailton de Carvalho e Chico de Gois
Fonte: O Globo, 19/10/2006, O País, p. 11

Pequena parte do total apreendido seria da área de Turcão

BRASÍLIA e CUIABÁ. O relatório que o delegado da Polícia Federal Diógenes Curado envia hoje à Justiça Federal informa que pelo menos R$5 mil do R$1,7 milhão que um grupo de petistas usaria para comprar um dossiê contra políticos tucanos têm origem em uma das bancas do jogo do bicho de uma área controlada pelo bicheiro Antônio Kallil, o Turcão, no Rio de Janeiro. Os delegados trabalham com a hipótese de que o dinheiro fazia parte de um esquema paralelo de arrecadação de recursos para a campanha do PT. Os petistas envolvidos na compra do dossiê trabalhavam nas campanhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do senador Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo.

- A investigação está em andamento. Mas, para mim, a idéia mais provável é que esse dinheiro é de caixa dois de campanha - disse um delegado que não quis se identificar.

Mas a PF não reduziu as investigações a Turcão porque, segundo um policial, o jogo do bicho no Rio é fragmentado.

-- Turcão talvez seja a face mais visível, mas trabalhamos com vários nomes - disse o delegado.

O superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso, Daniel Lorenz, negou que Turcão seja informante da PF. Embora procure evitar afirmar que a principal linha de investigação da PF para a origem do dinheiro esteja concentrada no jogo do bicho, Lorenz reafirmou que as cédulas que faziam parte do montante em poder do ex-policial federal Gedimar Passos eram de pequeno valor, o que reforça a suspeita da polícia:

-- Essas notas de pequenos valores são encontradas na rua. Dificilmente alguém vai no banco para sacar recursos em cédulas de R$5 e R$10.

118 - Caxias, 119-Cpo Grande

A polícia concluiu que pelo menos R$5 mil passaram por uma das bancas do bicho da Baixada Fluminense controladas por Turcão a partir da análise de carimbos, números e anotações encontrados nas cintas de papel que envolviam alguns pacotes das notas de reais apreendidas com os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha, no Hotel Ibis, em São Paulo. Um desses papéis é o pedaço de uma bobina de máquina de somar com vários números. Nele constam as inscrições "118 - Caxias", "119-Cpo Grande". Para a polícia, a nomenclatura é a mesma usada por uma das bancas do bicho em Caxias e em Campo Grande, ligadas a Turcão.

A banca funciona como uma câmara de compensação das casas do jogo do bicho na Baixada. A polícia quer saber se Turcão ou outro bicheiro ofereceu parte do dinheiro para a compra do dossiê ou se pessoas ligadas ao acordo com a família Vedoin usaram os serviços da banca para camuflar a origem dos recursos. No pedaço de papel da bobina estão as somas 4.000 e 1.000 que, para a polícia, corresponderiam ao montante de R$5 mil.

- O que sabemos, com certeza, é que parte desse dinheiro passou pela banca do bicho antes de chegar às mãos de Gedimar - disse o delegado.

Para a polícia, tudo indica que um grupo de petistas montou um esquema de arrecadação paralela e, no início do mês passado, resolveu liberar parte do dinheiro para comprar informações contra o José Serra, governador eleito de São Paulo. Para a polícia, não existe outra explicação plausível para a origem do R$1,7 milhão apreendido na tentativa de compra do dossiê. Denúncias sobre caixa dois estão no centro do escândalo do mensalão, a devastadora crise enfrentada pelo PT. No auge da crise, ano passado, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares reconheceu a existência do caixa dois que, pelos cálculos da CPI dos Correios, era superior a R$50 milhões.

No relatório, Curado faz um balanço também do rastreamento dos US$ 248.800 em espécie apreendidos com Gedimar e Valdebran. O documento informa que a PF está fazendo uma devassa em 30 casas de câmbio, corretoras e agências de viagens que compraram regularmente dólares do Banco Sofisa entre agosto e setembro.

Pelos números de série das notas de US$110 mil, a polícia sabe que o dinheiro saiu dos EUA, passou por um banco de Miami, entrou no Brasil pelo Sofisa e, a partir daí, teria sido distribuído por uma das 30 instituições que fizeram negócios com o banco brasileiro e que têm endereços em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Santa Catarina e no Paraná.