Título: Um outro debate
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 21/10/2006, O GLOBO, p. 2

Os dois lados da disputa presidencial achavam ontem que seu candidato ganhou o debate do SBT. O verdadeiro vencedor é aquele que consegue criar com o debate uma oportunidade para ganhar votos. Até que uma pesquisa esclareça isso, a primeira impressão é a de que ele não produzirá deslocamentos importantes, como aconteceu depois do enfrentamento na TV Bandeirantes.

Os eleitores de Alckmin saíram muito satisfeitos com sua performance, e os de Lula também. Mas é o tucano que está enfrentando o desafio de tomar votos de Lula e de fazer com que se defina a seu favor o já pequeno residual de eleitores indecisos ou dispostos a votar em branco ou nulo. Se o debate não lhe propiciou essa chance, como admitem aliados mais realistas, sua campanha continuará dependendo do tal fato novo. E não apenas novo, mas retumbante, um torpedo capaz de fazer afundar o navio de votos de Lula. Ontem foi revelada a troca de telefonemas entre o aloprado comprador de dossiê Jorge Lorenzetti e o ex-ministro José Dirceu. Não é, por ora, uma evidência de envolvimento de Dirceu, mas, se fosse, estaria de bom tamanho para Lula: para todos os efeitos, Dirceu é um cassado, está fora de sua campanha e da direção partidária.

Na próxima e última semana antes do pleito, Lula e Alckmin ainda vão se enfrentar em dois debates, na segunda-feira, na TV Record; e na sexta, na TV Globo. Depois de ter errado a mão no debate da Bandeirantes, Alckmin mudou de tom no SBT. Foi mais propositivo, menos agressivo, firme no estabelecimento de diferenças e na crítica ao governo Lula, embora reduzindo a ênfase na questão da corrupção. E, mais importante, não sucumbiu, como vinha fazendo, à armadilha da privatização. Se tivesse usado esse tom no primeiro debate, teria se fortalecido para enfrentar a pesada campanha negativa de Lula e do PT para marcá-lo como privatista e neoliberal. Mas a inflexão, depois da estridência inicial, não o ajuda. Pelo contrário, faz parecer artificial a nova postura, embora ela seja muito mais próxima de seu verdadeiro perfil.

Para o eleitor, o confronto num padrão mais elevado é mais esclarecedor. O eleitor quer saber de corrupção, mas as pesquisas qualitativas têm mostrado que ele quer ver também os outros assuntos discutidos, seja no programa eleitoral, seja nas entrevistas e nos debates. Aliás, Alckmin teve um de seus momentos mais espirituosos quando Lula o acusou de tocar o samba de uma nota só e ele se referiu à montanha de notas do dinheiro do dossiê. Muitas notas. Mas deixou de ser monotemático na sua vez de perguntar. Enfiou perguntas, que Lula às vezes deixou sem resposta, no meio de suas réplicas. E, mais importante, enfrentou de forma correta a marcação privatizante: não se limitou a denunciar a ¿mentirobrás¿ de Lula e do PT, e encarou o dogma, defendendo as privatizações feitas e admitindo que, embora não tenha planos, se fosse preciso faria outras. Cometeu erros, como o de dizer que o governo não destinou um centavo dos R$30 bilhões da CPMF à Saúde.

Lula também foi treinado, mas abusou dos números e cifras, consultou demais seus papéis. Teve bons momentos, desmontou com maestria a pegadinha ¿ em que posição ficou o Brasil no ranking da revista ¿The Economist¿ ¿ chamando o outro de colonizado. Refugiou-se em números sobre o aumento dos gastos com saúde em seu governo para não admitir que a emenda 29 não vem sendo cumprida a rigor. Se viesse, os gastos teriam crescido ainda mais.

Mas entra aqui a coisa da reeleição. O presidente que disputa o novo mandato pode dizer que já está fazendo. Quando força a comparação com um governo encerrado há quatro anos, ou com um governo estadual, no mínimo reforça a inclinação continuísta de boa parte dos eleitores. A indulgência para com quem já está fazendo ¿ tem sido assim em outros países ¿ só se acaba quando o governo é muito ruim. Contra Lula existe o déficit ético, neutralizado pela satisfação econômica dos mais pobres e por outros atributos do governo. Foi um outro debate, bem diferente do da Band. Eles venderam o peixe, mostraram suas diferenças, o eleitor ganhou.