Título: TECNOLOGIA NACIONAL PARA A DEMOCRACIA
Autor: SERGIO MACHADO REZENDE
Fonte: O Globo, 21/10/2006, Opinião, p. 7

No próximo dia 29, mais de 100 milhões de eleitores brasileiros pressionarão as teclas e os botões dispostos na parte anterior de uma caixa metálica com 21 centímetros de altura, 40 de largura e 37 de profundidade, pesando pouco mais de oito quilos. Eles terão a certeza de que seu voto, registrado e totalizado eletronicamente, expressará de forma exata a sua decisão no segundo turno das eleições de 2006, sem fraude ou manipulação de resultados. Menos de 24 horas depois, o país já saberá quem serão o presidente da República e os governadores escolhidos pelos eleitores.

Nestas eleições, a urna eletrônica brasileira completa dez anos de serviços prestados à democracia. Recebida de início com desconfiança, em 1996, ao implicar a extinção das cédulas e das planilhas de totalização de papel, ela rapidamente afirmou-se como parte indispensável do processo nacional de redemocratização, assegurando o sigilo do voto e a rapidez da apuração do resultado.

Decerto, ao teclar dígitos e acionar botões, poucos eleitores refletirão que, no momento do voto, estão também confirmando o êxito de uma tecnologia 100% nacional, testada nas diferentes condições de temperatura, umidade, armazenagem e transporte de um país continental. Mas é o fato, reconhecido há uma década não só por todos os envolvidos nas eleições, sejam candidatos, fiscais ou observadores, como também por dezenas de países que procuram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em busca de informações sobre a urna eletrônica.

O primeiro Código Eleitoral brasileiro, editado em 1930, já previa o uso da chamada ¿máquina de votar¿, como recurso para sanar vícios eleitorais e garantir pleitos sem fraudes. No entanto, só em dezembro de 1993, o presidente do TSE, ministro Carlos Veloso, solicitou ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e ao Centro Técnico Aeroespacial (CTA), vinculado ao Ministério da Defesa, um plano para a completa informatização das eleições brasileiras. Em janeiro de 1996 foi lançado pelo TSE o primeiro edital para o desenvolvimento e a produção de 78 mil urnas eletrônicas, a serem utilizadas nas eleições municipais daquele ano, nas capitais e nas cidades com mais de 200 mil eleitores. Nelas votaram eletronicamente 33 milhões de brasileiros.

A urna eletrônica atual é resultado de sucessivos desenvolvimentos no hardware eletrônico e no software em relação à versão original, feitos por pesquisadores e técnicos de centros públicos de pesquisa e empresas privadas nacionais. O programa que assegura o seu funcionamento é previamente auditado por todos os partidos políticos envolvidos na eleição. Senhas, informações criptografadas e outros modernos métodos de segurança, amplamente utilizados no sistema bancário, praticamente eliminam a possibilidade de fraude eletrônica. Os resultados criptografados são armazenados em disquetes, depois transportados para as juntas apuradoras, pontos de presença da rede nacional do TSE, que faz a totalização. As urnas estão seguras contra ataques de hackers, por não estarem conectadas a linha telefônica nem a rede de computadores.

No primeiro turno das eleições deste ano cerca de 105 milhões de eleitores brasileiros votaram em 432 mil urnas eletrônicas, distribuídas em todo o território nacional por meio de uma logística impecável. No próximo dia 29, ao pressionar teclas e botões, cada eleitor estará construindo o futuro do Brasil. Para a efetivação desse simples gesto, muitos foram perseguidos, presos, exilados, torturados e assassinados. A urna eletrônica brasileira, pelo que assegura de lisura e transparência no processo eleitoral, é mais um passo à frente nessa luta, ao agregar a competência da tecnologia nacional ao processo contínuo de fortalecimento de nossa democracia.

SERGIO MACHADO REZENDE é ministro da Ciência e Tecnologia.