Título: PRIMEIRO VÔO DO 14-BIS COMPLETA 100 ANOS NA SEGUNDA
Autor: Roberta Jansen
Fonte: O Globo, 21/10/2006, O Mundo, p. 45

Um século depois, Santos Dumont começa a ser aceito internacionalmente como o verdadeiro pai da aviação

O homem mal conseguia lascar uma pedra e já sonhava em voar. Desde os primórdios da atividade humana na Terra a idéia de ganhar o céu, uma dimensão aparentemente reservada a pássaros e divindades em geral, desafia e incita. Coincidentemente, foram dois brasileiros a transformar delírios mitológicos em tecnologia: Bartholomeu de Gusmão, que fez o primeiro objeto deixar o solo e se manter no ar, e Santos Dumont, cujo vôo inaugural do 14-Bis completa cem anos na segunda-feira.

¿ A idéia de voar remonta aos primeiros registros da atividade humana, um sonho mais do que antigo e sempre associado a algo divino, à noção de liberdade e à morte ¿ diz o pesquisador Henrique Lins de Barros, que está lançando o livro ¿Desafio de voar, brasileiros e a conquista do ar¿ (Editora Metalivros). ¿ A possibilidade de voar vai tomando corpo na Europa, lá pelo século XII, quando se começa a ter um certo desenvolvimento técnico e se tenta resolver vários problemas cotidianos, como bombear água e criar motores para barcos.

Mas foi só em 1709 que se conseguiu desenvolver o primeiro objeto capaz de se apoiar no ar sem cair: um balão de ar quente. Segundo Lins e Barros, a invenção foi apresentada oficialmente na corte portuguesa e é aceita por historiadores, muito embora a idéia do brasileiro tenha sido encarada como uma mera curiosidade e não tenha tido desdobramento imediato.

Quase dois séculos se passaram até que Santos Dumont, em 1906, fizesse o seu 14-Bis deixar o solo e voar ¿ primeiro num vôo de teste, em 23 de outubro, e, logo depois, em 12 de novembro, num vôo oficial, homologado pela Federação Aeronáutica Internacional.

Para Lins e Barros, um dos maiores estudiosos brasileiros da história da aviação, não resta nenhuma dúvida de que Santos Dumont é o inventor do avião, e não os irmãos americanos Orville e Wilbur Wright, cujo primeiro vôo teria ocorrido em 1903. E, agora, diz, cem anos depois, a idéia começa a ser mais bem aceita tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, com exposições e vôos demonstrativos.

¿ No exterior está se começando a abrir espaço para essa aceitação ¿ afirma. ¿ Uma das razões para isso foi o fato de o avião dos irmãos Wright não ter voado em 2003 (na comemoração do suposto centenário), mas sim caído na lama. E o 14-Bis está voando. Isso, entre outras coisas, abriu espaço para contar histórias em cima de documentos e não de interesses comerciais escusos.

Além de não ter sido homologado pela Federação Aeronáutica Internacional, o vôo dos irmãos americanos não teve qualquer espécie de registro, apenas um comunicado por telegrama. E o primeiro vôo da dupla devidamente testemunhado, ocorreu em 1908, depois do de Santos Dumont.

¿ O avião deles voava, mas não decolava: era preciso se jogar de uma rampa e rezar o terço. A decolagem é o momento crucial, esse era o grande segredo a ser descoberto ¿ aponta Lins e Barros. ¿ E essa chave é descoberta por Santos Dumont.

Tanto é assim, aponta o pesquisador, que em 1907 todo mundo já voava. Mais do que isso, acrescenta, na Primeira Guerra Mundial, iniciada apenas oito anos depois, foram produzidos nada menos que 180 mil aviões.

¿ Isso mostra bem a importância de Santos Dumont.