Título: ELEITO VAI ENFRENTAR ALIANÇA CHÁVEZ-MORALES
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 22/10/2006, O País, p. 9

Lula e Alckmin divergem na política externa mas a crise com a Bolívia se agrava e vai dominar agenda pós-eleitoral

Na agenda do presidente a ser eleito no próximo domingo, o primeiro grande problema diplomático será o impasse nas relações com a Bolívia, fonte de metade do gás consumido pela indústria brasileira.

Se a situação já era difícil com a expropriação de ativos da Petrobras, ficou muito mais complicada com o acordo entre os governos Evo Morales e Hugo Chávez (Venezuela) para a instalação de bases militares ao longo da fronteira com o Brasil. O acordo prevê até a intervenção de tropas venezuelanas na ¿gestão de crises¿ bolivianas.

Chávez emprestou a Morales US$49 milhões para financiar o início da modernização do exército boliviano, compra de armas e instalação de uma dúzia de unidades no leste boliviano, onde floresce um movimento separatista.

Uma delas, diz o acordo, será erguida em Riberalta a 80 quilômetros da cidade brasileira de Guajará-Mirim, em Rondônia, e a oeste do Acre. Vai combinar aeroporto com pista de 400 metros, edificações em mil hectares e abrigo para 2,5 mil soldados. Outra base, anexada a um porto, será construída em Puerto Quijarro, de frente para a cidade brasileira de Corumbá, portal do Pantanal do Mato Grosso do Sul e área de controle da navegação sobre o rio Paraguai.

Um confronto na política externa

As propostas de política para a América do Sul e o Mercosul ¿ e em especial para a Bolívia de Evo Morales e a Venezuela de Hugo Chávez ¿, são emblemáticas das diferenças entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). É na política externa que as divergências de Lula e Alckmin ficam mais visíveis.

Lula acena com a continuidade de um projeto cuja prioridade é o privilégio à integração sul-americana, reservando-se a posição de "interlocutor solidário" dos governos Chávez e Morales, afinados em um permanente confronto retórico com os Estados Unidos. Aposta, também, na ampliação das relações do Brasil com a África e na luta pela conquista de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

Já Alckmin propõe uma mudança de rumo na política externa, com mais pragmatismo, sem ¿ilusões¿ ideológicas. A começar por uma ¿recomposição¿ das relações na América do Sul, ¿com base em interesses recíprocos¿. Em lugar de um assento no Conselho de Segurança da ONU, prefere batalhar por uma cadeira em ¿clubes¿ de nações industrializadas, como a Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo dos Oito (G-8). Sobre o Mercosul, diz pretender ¿promover ampla reflexão¿ ¿ sem deixar claro o que isso significaria exatamente.

Embalado pelos ventos favoráveis do crescimento da economia mundial, Lula capitaneou a diplomacia comercial em viagens a 50 países e a abertura de 24 novas representações diplomáticas (14 embaixadas) ¿ a maioria nações pobres e em desenvolvimento.

Houve expressiva expansão do comércio com países em desenvolvimento (veja tabela). Mas as áreas-chave continuam sendo a União Européia, os EUA e a América Latina ¿ na qual o Mercosul é responsável por quase metade das compras regionais de produtos brasileiros.

Foi no maior mercado do planeta, os Estados Unidos, onde a diplomacia comercial brasileira avançou menos nos últimos quatro anos. As exportações para os EUA cresceram 46,3% no período ¿ velocidade bem inferior à do aumento das vendas para a Ásia (111%) e para a União Européia (71,9%).

Em contrapartida, o Brasil assistiu a um rápido crescimento da concorrência dos EUA na sua área preferencial de comércio ¿ a América do Sul.

Sem Alca, EUA isolaram o Brasil

O mútuo desinteresse pela construção de uma Área Livre de Comércio das Américas (Alca), levou os EUA a acordos comerciais diretos com países da Costa do Pacífico, da Comunidade Andina e do Mercosul. E acabaram surpreendendo o Brasil, que, junto com a Argentina, agora se vê ilhado e com dificuldades para avançar na integração da América do Sul, com base em tarifas comuns de importação.

O chanceler Celso Amorim reconheceu, dias atrás, em um debate na Comissão de Relações Exteriores do Senado:

¿ Hoje na América do Sul é que alguns países podem participar ou ser atraídos para a união aduaneira. Para outros é mais difícil, porque já têm acordos de livre comércio. Isso cria, digamos assim, uma limitação.

A pressão norte-americana na prática rachou o Mercosul, atraindo o Paraguai e o Uruguai para negociações isoladas de comércio. A resposta do Brasil e da Argentina foi a entronização da Venezuela no Mercosul, que se tornou um membro virtual do bloco ¿ sem voz, sem voto, pois sequer formalizou sua associação.

Em tese, com a adesão venezuelana, o Mercosul daria um salto em dimensão econômica: passaria de US$800 bilhões para US$1 trilhão em Produto Interno Bruto (PIB). E, principalmente, viabilizaria uma integração sul-americana pela energia ¿ e não mais pela tarifa comum para importações.

Mas os adversários do governo Lula vêem nisso apenas um outro exemplo da ¿hesitação¿ na política externa brasileira. Essa percepção foi sintetizada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em um documento de campanha do PSDB:

¿ Nada fazemos para garantir acordos comerciais que nos interessam, isolando-nos cada vez mais em um Mercosul enfraquecido por nossa falta de liderança. Resultado: nem Alca, nem acordo com a União Européia, nem qualquer outro acordo bilateral ¿ escreveu.

Na eleição de domingo decide-se, também, que política externa o Brasil terá nos próximos quatro anos.