Título: DELEGADO AFASTADO DA PF VIVE `TEMPOS DE CATIVEIRO¿
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 22/10/2006, O País, p. 17

Policial que vazou as fotos do dinheiro do dossiê está em licença médico-psiquiátrica e à beira da suspensão

SÃO PAULO. Edmilson Pereira Bruno, o delegado da Polícia Federal que divulgou as fotos do dinheiro da compra do dossiê contra os tucanos, está sendo investigado pela Polícia Federal e, segundo o próprio delegado, até pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A PF pretende saber por que Bruno vazou as imagens à imprensa: mágoa por ter sido afastado do caso após prender Gedimar Passos e Valdebran Padilha; intenções políticas ou financeiras; ou ¿algum senso republicano¿, já que, diferentemente do procedimento da PF, as fotos da apreensão foram guardadas a sete chaves e proibidas de serem divulgadas pela direção da PF e pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Em licença médico-psiquiátrica e à beira da suspensão ¿ que deve ocorrer esta semana ¿ o delegado está vivendo, em suas próprias palavras e na de seus parentes, ¿tempos de cativeiro¿. Segundo sua família, ele saiu da casa da mãe, onde morava, e hoje dorme num quartinho, em local escondido, com um colchão, ¿uma caixa de papelão que serve de criado-mudo¿ e um aparelho de som para tocar ¿música de relaxamento¿. Toma dois medicamentos psiquiátricos: um indutor de sono e um neuroepilético para controlar crises de pânico e ansiedade.

¿ Fiquei sem dormir três dias ¿ conta Bruno em conversa com O GLOBO, que levou uma semana para localizá-lo numa de suas raras aparições, num churrasco após uma partida de futebol society no bairro da Barra Funda, próximo da sede da PF em São Paulo, da qual está afastado.

O delegado já havia dito que sua mãe, dona Sueli, jogou seu celular fora. Não usa nem o celular de parentes que o protegem. Não quer dar entrevistas com medo de mais exposição e ter sua situação funcional mais agravada. Foi pego de surpresa pela equipe de reportagem no churrasco e acabou contando um pouco de sua vida.

¿Querem o quê? Sangue? A imprensa é muito voraz¿

Bruno foi encontrado no campo de futebol e depois em outro lugar público. Na segunda vez, disse que seria prejudicado caso fosse publicada alguma de suas declarações. Seu contato com a imprensa, segundo ele, foi o que gerou o processo administrativo, que resultará, esta semana, em suspensão preventiva de suas funções de delegado especial da PF e que pode chegar à demissão a bem do serviço público ao fim da sindicância a que responde.

¿ Querem o quê? Sangue? A imprensa é muito voraz ¿ queixou-se.

Ele diz que foi abandonado pelo comando da PF, que foi fiel à organização e que fez o que achou ser justo em sua profissão. Sua mãe chorou ao telefone ao dizer que não sabia onde estava o filho porque ele não queria contar. Ele evita ir até a casa de amigos. Acha que estaria envolvendo outras pessoas no caso e diz ter certeza de que seu telefone está grampeado, que está sendo seguido tanto por policiais federais como por agentes da Abin. E perseguido.

¿ Eu só sei ser da Polícia Federal. Não sei fazer mais nada. Quero trabalhar; me deixaram sozinho ¿ queixa-se.

Segundo parentes e amigos, não foi só pelo fato de as prisões de Gedimar Passos e Valdebran Padilha terem levado o escândalo para o comando do PT e para o centro da campanha do presidente Lula à reeleição que Bruno se sente acuado e perseguido. Gedimar é policial federal aposentado, professor de delegados, querido pelos colegas. A suposta perseguição contra ele, portanto, viria de todos os lados e não apenas do comando da PF.

Mas quando Gedimar, em sua defesa ao Tribunal Superior Eleitoral, disse que foi forçado por Bruno a citar Freud Godoy, ex-assessor e amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o superior do delegado, o superintendente da PF paulista, Geraldo José de Araújo, o defendeu. Disse que Gedimar estava apenas formando sua peça de defesa e que Bruno não o havia forçado a nada.

O delegado Bruno é investigado pela contra-inteligência policial, o Departamento de Inteligência da PF (DIP), por suspeita de favorecimento pessoal (de que teria recebido dinheiro para divulgar as fotos). Mas Bruno nega que tenha se beneficiado financeiramente ou agido para favorecer o PSDB:

¿ O governo Lula foi melhor para nós da PF do que o de Fernando Henrique. No governo FH a gente ficou oito anos sem aumento. Se quiserem me investigar, abro meus sigilos. Não devo nada. No dia da entrega do CD com as fotos, meu saldo no banco estava negativo em R$2.900. Agora já cobri com meu salário.

Bruno diz que, se fosse motivado por intenções políticas, teria se aliado ao partido à frente nas pesquisas, o PT:

¿ Não conheço ninguém do PSDB. Com essa história, minha mãe chora tanto que o encanador perguntou para o meu pai: ¿Ela está doente?¿.

O delegado diz que seus bens são duas motocicletas, uma de 600 cilindradas, outra de 125. Ele vive com os pais num apartamento de classe média nos Jardins, nas imediações da Avenida Paulista, que está sendo reformado. Passou a infância em Marília, no interior de São Paulo, e agora sua filha de 12 anos mora no interior. Separou-se há mais de um ano, depois de um casamento informal de quatro anos, e vendeu o único imóvel que tinha.

Delegado é formado em engenharia e em direito

Sua mãe é funcionária pública aposentada e o pai é técnico em saúde do trabalho, também aposentado. Tem duas irmãs, uma é delegada da Polícia Civil de São Paulo, a outra, dona-de-casa. Formou-se em duas faculdades: engenharia na Unesp e direito no Mackenzie. Está na PF há dez. Foi promovido a delegado especial este ano, após fazer MBA em gestão de políticas de segurança.

O delegado contratou advogados para se defender na sindicância. Sua família diz que ele não tem dinheiro para pagar. O Sindicato dos Delegados da Polícia Federal diz que o procura para oferecer ajuda.

¿ Bruno se recusa a nos atender. Ele acha que está mais seguro nas mãos dos advogados que ele escolheu ¿ diz um delegado do sindicato e amigo de Bruno.