Título: JURO NÃO GARANTE INVESTIMENTO
Autor: Patricia Duarte e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 23/10/2006, Economia, p. 15

Queda da Selic não é suficiente para empresários aplicarem mais no setor produtivo

Mesmo com juros nos níveis mais baixos da história ¿ a taxa básica (Selic) a 13,75% ao ano e a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) em 6,85% anuais ¿ o setor produtivo brasileiro ainda enfrenta dificuldades para aumentar investimentos. Empresários e especialistas justificam que, mais do que juros menores e a possibilidade de financiamentos mais baratos, a decisão de investir ainda passa, sobretudo, pelas condições conjunturais e estruturais: baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), câmbio valorizado, elevada carga tributária, problemas de infra-estrutura e excesso de burocracia são alguns exemplos de entraves.

Porém, na avaliação deles, a médio prazo, os juros podem vir a assumir um papel mais importante, impulsionando investimentos e estimulando a competitividade. Isso é particularmente verdade em relação à liberação de recursos hoje investidos em fundos de renda fixa ¿ ou seja, hoje presos na ciranda financeira ¿ e ao impacto que taxas mais baixas podem ter sobre o câmbio, desestimulando a entrada de moeda estrangeira e permitindo uma depreciação do real.

¿ É necessário que o investimento se auto-remunere e dê lucro. Com o câmbio assim (dólar enfraquecido frente ao real, em R$2,15), muitos setores estão sendo afetados. A redução de juros, no entanto, pode levar a uma valorização do câmbio no futuro e melhorar o cenário ¿ afirma Newton de Mello, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

Mais financiamento para as empresas

Representante de um setor que funciona como termômetro de investimentos da indústria, Mello cita calçados, tecidos, autopeças e plásticos como os que mais sofrem com a concorrência dos importados e, assim, acabam deixando de investir no país.

Dos 27 segmentos dentro da Abimaq, acrescenta ele, apenas dois ¿ válvulas industriais e bombas hidráulicas, voltadas à petroquímica ¿ apresentam aumento de vendas neste ano, de 28% e 5%, respectivamente. De forma geral, o setor de bens de capital acumulava retração nas vendas de 4%, entre janeiro e agosto de 2006, em relação ao mesmo período do ano passado.

As empresas de grande porte, sobretudo aquelas com operações no exterior, têm mais condições de investir porque podem se financiar lá fora, com a emissão de bônus, por exemplo, e conseguir taxas menores. Mas a redução dos juros básicos também pode ajudar as empresas de pequeno e médio portes a conseguir financiamento, por meio de emissões no mercado interno, já que o investidor tende a buscar alternativas de remuneração.

A Funcef (fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal), com ativos de R$23 bilhões, já começa a pensar em adotar essa estratégia. O diretor de Finanças do fundo, Demósthenes Marques, explica que a idéia é aumentar os desembolsos tanto no mercado de renda variável (ações de empresas), em que a fundação passaria a ser uma espécie de sócia, quanto no que chama ¿risco de crédito¿ ¿ debêntures, securitização de recebíveis, entre outros, emitidos pelas companhias:

¿ É claro que as empresas maiores, com melhores ratings (classificações), têm a nossa preferência. Mas temos de olhar tudo.

Na Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o movimento é bastante semelhante. O presidente da instituição, Wagner Pinheiro de Oliveira, conta que, em 2002, 75% dos R$29,3 bilhões em recursos para investimento do fundo estavam alocados em renda fixa. Hoje, a fatia caiu para 67%. A estimativa é um recuo para cerca de 60% já no fim de 2007.

Um dos focos, explica Oliveira, é fazer desembolsos para fundos de participação, que normalmente investem em projetos de infra-estrutura de maneira pulverizada, injetando recursos em diversas empresas ao mesmo tempo. Só para isso, a Petros já reservou R$850 milhões.

¿ O importante, que está ganhando mais relevância, é termos estrutura de investimento que minimize os riscos ¿ acredita Oliveira.

R$ 75 bi da renda fixa para a produção

Também para a Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), uma redução consistente e continuada dos juros trará como benefício migração de recursos hoje aplicados em fundos de renda fixa. Eles são lastreados principalmente na dívida pública, e migrariam para a renda variável, com destaque para os fundos de participação, tidos como ideais para apoiar investimentos em infra-estrutura.

A Abdib estima que estejam aplicados atualmente de R$700 bilhões a R$800 bilhões em fundos de renda fixa. Em uma projeção conservadora, a entidade estima que haveria uma migração em torno de R$75 bilhões, que poderiam se transformar em novos investimentos produtivos.

O vice-presidente executivo do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), Marco Polo de Mello Lopes, lembra que decisões de investimentos não são tomadas levando em conta o patamar atual de juros de uma economia, pois os projetos necessitam de um tempo de maturação:

¿ O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) até tem condições especiais, mas olhando a TJLP, vemos que a condição que temos aqui é adversa em relação ao mercado internacional.

Lopes reconhece, entretanto, que os juros têm ¿influência fantástica¿, se usados para engessar a economia:

¿ Mais importante que juros são a alta carga tributária, o déficit em infra-estrutura e a burocracia.

O IBS destaca que a siderurgia teve um ciclo de investimentos, de 1994 a 2005, de US$15,9 bilhões, e passa pelo segundo ciclo, de 2006 a 2010, em que pretende desembolsar outros US$11,2 bilhões, o que dá US$27 bilhões em 17 anos no período pós-privatização.