Título: Haverá 3º turno?
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 24/10/2006, O GLOBO, p. 3

Se o presidente Lula for reeleito, a oposição dará curso à ação que já tramita no TSE para impugnar sua candidatura? A impugnação de uma candidatura vencedora equivale a uma cassação de mandato sem perda dos direitos políticos, ou a um impeachment jurídico. A legislação comporta esta situação, e a experiência recente anota pelo menos dois casos importantes. A pergunta tira o sono dos petistas e incomoda também a oposição, que, ao tomar este caminho, se dividiria.

A oposição deu recentemente sinais aparentemente contraditórios. Um foi emitido pelo próprio candidato Geraldo Alckmin em sua entrevista ao ¿Roda viva¿, da TV Cultura, veiculado no domingo à noite. Indagado sobre uma distensão política depois da eleição, em favor de uma agenda de interesse nacional, respondeu:

¿ O PT não pode exigir da oposição a impunidade. Querer que sejamos coniventes, querer a impunidade, não!

Ontem, em almoço do candidato com empresários em São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique fez um ataque flamejante a Lula, chamando-o de fanfarrão, e ao PT, comparando a retórica antiprivatização à técnica nazista de repetir mentiras até que consigam impregnar o imaginário das massas. Mas disse uma frase que soou como sinal de que não endossará a tentativa de subverter o resultado eleitoral pela via judicial.

¿ O PSDB é contra a impunidade. Agora, imaginar que queremos golpe ou que vamos sabotar o Brasil... não faremos isso porque não somos iguais a essa gente!

Ouvidos, petistas também entenderam assim: que Fernando Henrique adotará, se for o caso, a mesma postura que já é atribuída ao governador eleito de São Paulo, José Serra, e ao governador reeleito em Minas, Aécio Neves. Apesar das intrigas internas, ambos contribuíram muito para que o tucano chegasse ao segundo turno e se mantiveram engajados no segundo. Mas, sobrevindo a derrota, não participarão de um novo round contra Lula. Eles têm não apenas responsabilidades de governo pela frente, como também um horizonte de 2010, quando um dos dois deve disputar a Presidência. E, embora Alckmin tenha dito que Lula e o PT não podem esperar que a oposição endosse a impunidade, numa conversa informal, com a dificuldade que tem qualquer candidato para falar sobre a hipótese de derrota, ele deu a entender o contrário: quem ganha leva, quem perde faz oposição e fiscaliza.

De todo modo, já está claro que, para tomar o caminho da contestação, a oposição rachará. A defesa desta estratégia tem à frente o presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, e o senador Antonio Carlos Magalhães. Eles não estão sozinhos. Têm seguidores dentro de seus partidos e na sociedade, em instituições como a OAB e em segmentos do empresariado.

A possibilidade jurídica de um ¿terceiro turno¿ existe. Os dois casos ilustrativos atingiram um governador e um senador. O hoje senador Mão Santa (PMDB) perdeu o mandato de governador do Piauí, conquistado em 1998, já quase no fim do período de governo. Foi condenado por abuso econômico na campanha. O ex-senador João Alberto Capiberibe também perdeu o mandato de senador em 2005, quase três anos depois de sua diplomação, em 2002. Foi acusado por uma eleitora de ter-lhe comprado o voto. Como Mão Santa, protelou o desfecho com sucessivos recursos até que o STF confirmou a sentença do TSE. Ambos puderam disputar novas eleições. A impugnação posterior da candidatura não resulta em perda dos direitos políticos.

Isso pode acontecer com Lula? Pode, desde que a Justiça Eleitoral conclua que a tentativa de compra do dossiê configurou uma ingerência dele no processo eleitoral, buscando beneficiar a própria candidatura ou prejudicar a dos concorrentes. Será preciso então que se prove, em primeiro lugar, que ele foi responsável pela ação dos aloprados do PT e que dela se beneficiou. A defesa que seus advogados apresentaram ao TSE argumenta que, em vez de benefícios, ele teve prejuízos eleitorais com o escândalo. Mas as investigações ainda estão em curso e está longe de ser concluída a narrativa sobre esse episódio rocambolesco, que revela em sua essência o viés da transgressão à regra democrática que marca o DNA de alguns petistas. O dossiê não era contra Alckmin, era contra Serra, e a disposição para obtê-lo e usá-lo na campanha evidencia a intenção de interferir na dinâmica de uma campanha que desde o início favorecia o tucano. É cedo, portanto, para se falar a sério disso, mas o tema tem sua conotação eleitoral. Oposicionistas o mencionam, em tom de ameaça, acreditando talvez que isso tire votos de Lula. Petistas o denunciam certos de que, quanto mais vitimizado, mais Lula cresce.