Título: A SOLIDARIEDADE QUE ELEGE
Autor: ODEMIRO FONSECA
Fonte: O Globo, 24/10/2006, Opinião, p. 7

Ogoverno federal vai gastar este ano US$3,3 bilhões para auxiliar 11,1 milhões de famílias nos seus programas sociais. Sessenta e cinco por cento para famílias do Norte e Nordeste. É a solidariedade estatal em ação, no seu formato compulsório, marketing barulhento, custo gigantesco e complexo balanço moral e econômico. São programas que resultam do nosso grande desconforto com a pobreza. Mas já há história para nos ensinar que devem ser programas táticos, pois não se dirigem às causas da pobreza.

Recentemente, foram divulgados os relatórios do BID e do Banco de Espanha sobre remessas dos latino-americanos aos seus países de origem. Dos EUA, transferem-se para a América Latina e Caribe US$45 bilhões este ano. Da Espanha chegam mais US$7,2 bilhões. ¿As remessas constituem um dos programas de alívio à pobreza mais amplos e efetivos do mundo¿, diz o presidente do BID.

O relatório do BID indica que o Brasil vai receber este ano US$7,2 bilhões somente dos EUA. Eram US$2,6 bilhões em 2001. Aumentou 180% nos últimos cinco anos. Pode-se estimar para este ano que os brasileiros no exterior remeterão para suas famílias US$10,5 bilhões. É uma injeção de renda 3,2 vezes maior do que os programas sociais do governo. E sem custos para os contribuintes e clientelismo. Representa o equivalente à renda líquida de 6,2 milhões de empregos, usando-se o salário mínimo de 2006. As empresas brasileiras teriam que faturar US$186 bilhões incrementais para criar e manter 6,2 milhões de empregos urbanos de salário mínimo e teriam que pagar US$72 bilhões em impostos.

Essa gigantesca transferência internacional de renda para brasileiros pobres é efetuada de forma privada, voluntária e silenciosa por estas pequenas comunidades solidárias que chamamos de famílias. À transferência internacional se somam transferências inter-regionais, feitas pelos brasileiros que se deslocam para o Sul em busca de trabalho e que também enviam bilhões de reais para seus familiares pobres. Esta solidariedade familiar combinada com a queda dos preços dos alimentos é a mais importante explicação para a explosão de consumo nos segmentos mais pobres, com sua conseqüência na eleição presidencial. A Bolsa Família oficial, jóia da coroa, mais é um exercício de prestidigitação e de históricos difusos e irônicos. Alguém defendeu a política monetária para ajudar os pobres? O repasse do salário mínimo legal e a solidariedade estatal tiram renda de alguém. Nos casos em que estes repasses exigem impostos, este alguém é majoritariamente pobre. A carga fiscal no Brasil é maior para os pobres. Tirar em impostos R$50 por mês de uma família pobre é mole para o governo. É o que o governo dá para cada família. Sobrou a burguesa e desdenhada solidariedade familiar, especialista em driblar as estatísticas de pobreza, a começar pela moradia popular. Somente a solidariedade familiar internacional está agora injetando o equivalente a 35 milhões de Bolsas Família direto na veia dos mais pobres, para os quais a vida melhorou muito. Os gerentes da Bolsa Família oficial podem contar com pelo menos 15 milhões de votos.

Esta solidariedade familiar é causada pela falta de oportunidade para trabalhar e empreender no Brasil. O custo é enorme, pois expulsa os jovens mais ativos e empreendedores do nosso país. Como diz o relatório do BID, vão para os EUA com a obsessão do trabalho. E como trabalham! Dos EUA, enviam 10% da renda deles para as famílias, um dízimo realmente divino. E ainda pagam 26% para o governo dos EUA. Esses brasileiros são uma fábrica de riqueza nos EUA.

Dá para entender esses nossos conterrâneos. Quando chegam aos EUA, 38% deles encontram empregos em menos de duas semanas, ganhando, no mínimo, seis vezes mais. Mas, a longo prazo, essa diáspora é mais uma fábrica de pobreza. O nó só desata com desenvolvimento econômico. Que não virá com o Estado do tamanho e comportamento do nosso.

ODEMIRO FONSECA é empresário.