Título: ALCKMIN E AS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Globo, 24/10/2006, Opinião, p. 7

Aexemplo do que ocorre na política externa, a estratégia de negociações comerciais multilaterais, regionais e bilaterais incluída no programa de governo de Geraldo Alckmin apresenta importantes correções de rumo e marcadas diferenças em relação às políticas do governo Lula.

Desde meados dos anos 90, o governo brasileiro desenvolve, no setor externo, uma estratégia de negociação comercial que se desdobra simultaneamente em três níveis: multilateral, regional e bilateral.

O governo Lula introduziu uma nova ênfase ao privilegiar também negociações com os países que representam mercados não-tradicionais (Sul-Sul) com o objetivo declarado de mudar a geografia comercial do mundo e desviar o eixo do comércio brasileiro dos EUA e da UE.

O programa de governo de Lula ressalta que as relações Sul-Sul, com especial ênfase ao relacionamento com os países da África, deverão ser mantidas.

A principal prioridade do governo é a Rodada Multilateral de Doha, que se encontra em grandes dificuldades para ser concluída de maneira equilibrada e satisfatória para os interesses do agribusiness e da indústria nacionais.

Os acordos comerciais firmados pelo Mercosul produziram muito pouco resultado para o Brasil, visto que o surto das exportações brasileiras é resultado basicamente do crescimento da economia mundial, especialmente dos EUA e da China, e do aumento recorde dos preços das commodities.

O Mercosul está praticamente paralisado do ponto de vista institucional, e a integração da América do Sul enfrenta grandes desafios. O acordo do Mercosul com o Grupo Andino é pouco profundo e gera reduzida ampliação de mercado. Os entendimentos entre o Mercosul e a União Européia estão caminhando lentamente, não se prevendo a conclusão do acordo de comércio antes da conclusão da Rodada de Doha. As negociações no âmbito da Alca estão suspensas, com poucas possibilidades de serem retomadas, por desinteresse do Brasil e, sobretudo agora, dos EUA.

As negociações comerciais ¿ segundo se lê no programa de governo ¿ serão dirigidas de forma pragmática, deixando de lado a retórica e a politização, com vistas a defender os legítimos interesses das empresas e, portanto, dos trabalhadores brasileiros.

A revisão, em parceria com o setor privado, da estratégia de negociação comercial deverá se concentrar, em especial, nas seguintes ações:

1. Contribuir para o avanço e a conclusão das negociações multilaterais da Rodada de Doha, em bases equilibradas;

2. Concluir as negociações do acordo bilateral do Mercosul com a União Européia;

3. Promover ampla reflexão sobre o Mercosul e, se for o caso, o reexame do seu funcionamento, com vistas a melhor defender o interesse nacional;

4. Em termos de negociação hemisférica, atuar pela retomada das negociações, reconhecendo a dificuldade de levar adiante a proposta de criação da Alca nos termos em que está apresentada hoje;

5. Intensificar as relações com os centros mais dinâmicos da economia global. Restabelecer a prioridade das relações com os países desenvolvidos. Nesse contexto, serão buscadas formas de ampliar o relacionamento bilateral com a União Européia, o Japão e os EUA, resguardando sempre as possíveis convergências e a defesa de nossos interesses, em especial na área econômica e comercial;

6. Propor o aprofundamento dos acordos bilaterais de comércio com todos os países membros da Aladi;

7. Explorar mercados não-tradicionais e a ampliação do comércio com os países em desenvolvimento (comércio Sul-Sul), tendo presente que essa estratégia deve ser complementar ao esforço de maior aproximação dos mercados maiores;

8. Criar iniciativas mais agressivas para melhor aproveitar as oportunidades de exportação para a China, e defender de forma mais eficiente os setores industriais brasileiros ameaçados pela competição nem sempre leal das empresas chinesas.

Para apoiar a nova estratégia, o programa prevê o fortalecimento da promoção comercial com a atuação integrada da Apex com empresas e representações diplomáticas no exterior.

No tocante ao processo decisório na área de comércio exterior, para reduzir a burocracia (23 ministérios e 10 agências, como Banco Central e Receita Federal) e levar adiante a nova estratégia de negociação comercial, o programa de governo de Alckmin se refere à necessidade da consolidação dos cerca de 3.900 atos normativos e do fortalecimento e da desburocratização da Camex, órgão colegiado responsável pela coordenação governamental das ações no setor externo.

RUBENS BARBOSA é consultor e foi embaixador nos EUA e na Grã-Bretanha.