Título: Ensaiados demais
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 25/10/2006, O GLOBO, p. 2

Está bem que a política seja, até certo ponto, teatro. Mas, como atores, Lula e Alckmin já cansaram a platéia nacional dos debates com a argumentação repetitiva, as palavras surradas com que dizem sempre as mesmas coisas, com as tiradas ensaiadas, as mesmas metáforas e pegadinhas. Seria bom que no último debate, sexta-feira, na TV Globo, fizessem pelo menos uma variação vocabular sobre o mesmo script.

No debate da TV Record, anteontem, a repetição chegou ao ponto crítico para os ouvidos gerais, que já haviam acompanhado dois debates. A cada vez que Alckmin repete a pergunta sobre a origem do ¿dinheiro sujo para comprar o dossiê fajuto¿, Lula responde com uma metáfora que ninguém agüenta mais: seu governo não varre o lixo para debaixo do tapete. Sua mãe ensinava a arredar o sofá ao varrer a casa. E tome discurso sobre a disposição para investigar e punir.

Alckmin continua falando contra os 40 mil cargos de confiança, que são apenas 20 mil. Mas nem Lula o contesta, e isso vai passando. Quando o tucano pergunta sobre irrigação, já sabemos que Lula vai passar ao largo e dizer que precisa voltar ao assunto anterior para acrescentar mais alguns dados. E tome números. Já decoramos também a cantilena do tucano contra a ¿falta de apreço pela verdade¿, representada pela denúncia petista de que irá privatizar empresas. A resposta de Lula também já foi decorada por todos: diz isso com base no histórico dos governos do PSDB.

Na ladainha do tucano, não falta nunca uma frase: ¿O governo não é para os companheiros, o governo é para servir ao povo. Política é serviço¿. Um doce para quem tiver contado quantas vezes Lula já disse que fez muito e fará muito mais ¿porque já encontramos o caminho das pedras¿. Em matéria de chavões, o presidente tem ainda o ¿nunca antes neste país¿. E Alckmin não abre mão de ¿o Brasil pode ir melhor¿.

De escapismos, então, nem se fala. É infalível. Alckmin pergunta pelo corte de R$1 bilhão na saúde (na verdade, não foi corte. Deixando de cumprir a PEC 29, o governo ¿poupou¿ esse dinheiro). E Lula, invariavelmente, desfila o aumento de gastos, o programa Samu, a reforma dos hospitais de emergência, os 13% que o diabético vai gastar na farmácia popular com insulina, em vez de R$130. E, por fim, o Brasil Sorridente. ¿Porque, neste país, nunca se achou que o pobre tinha direito a tratar de dente¿.

Alckmin também sempre uma pirueta fantástica quando o assunto é a facção criminosa que domina os presídios de São Paulo: ¿Eu tenho lado: sou contra o crime¿. E ficamos nisso. Outra de suas frases inesquecíveis: ¿Vou vender este AeroLula e construir cinco hospitais¿. Já Lula fica surdo quando o assunto é a privatização dos bancos do Maranhão e do Ceará. E se o assunto é economia, não pode fazer aquele desafio aos economistas para que digam se o país já reuniu tantas e tão favoráveis condições para crescer. Este é o contraponto ao mantra de Alckmin: ¿Carga tributária alta, juros altos, o Brasil não cresce¿. Tem aquele outro, que saca sempre que cobrado a dizer onde cortará gastos: ¿Primeiro, na corrupção. Já foi provado que o país perde R$3,5 bilhões por ano com ela¿.

Esse debate vazio acontece, em parte, porque a agenda da corrupção se sobrepôs. Em parte, porque o marketing tomou conta das campanhas, e faz tempo. Mas acontece, sobretudo, porque cada qual está escondendo sua verdadeira agenda, e, para não explicitá-la, vão ambos repetindo o texto decorado.