Título: AS PPPS, A PRIVATARIA PETISTA
Autor: Elio Gaspari
Fonte: O Globo, 25/10/2006, Opinião, p. 7

Nosso Guia fez uma boa piada quando disse que o tucanato não pode ver um carro parado sem sentir a compulsão de vendê-lo. Seu caso é mais grave: quer arrendar o desejo das pessoas de comprar um carro. O tucanato vendeu R$200 bilhões do patrimônio da Viúva. Torrou ferrovias, bancos e empresas elétricas. Mesmo assim, não custa lembrar que os teletecas queriam monopolizar o acesso à internet. Em fevereiro de 1995, informavam que nos dois meses seguintes ofereceriam à patuléia mil conexões, nada mais. Havia 15 mil vítimas na fila.

Os tucanos argumentavam que a liquidação ajudaria a reduzir a dívida nacional. Lorota. Ela representava 30% do PIB em 1994. Em 2003 o PSDB deixou-a em 55%.

Quando Lula assumiu, não restava o que vender. (Entendendo-se que a Petrobras e o Banco do Brasil resistiram à compulsão privatista.) Foi quando ocorreu ao comissariado e aos felizes empreiteiros a idéia das Parcerias Público-Privadas, ou PPPs, que podem ser chamadas de Prebendas da Privataria Petista. Se o tucanato vendeu a Rede Ferroviária Federal (que era um desastre, mas existia), o comissariado quer vender ferrovias, portos e estradas inexistentes.

Como as obras podem ser necessárias, é razoável que o governo incentive o investimento. No Império, D. Pedro II criou uma malha ferroviária eficiente e lucrativa oferecendo aos interessados a garantia de um retorno de 5% sobre o investimento. Atraiu capitais ingleses e barões do café. Deu certo. Os concessionários reembolsavam o Erário se lucravam além do que estava combinado. No projeto petista falta esse detalhe. Receber da Viúva se o faturamento ficar abaixo, é claro que está no contrato.

Nosso Guia oferece aos barões das empreiteiras compensações muito superiores às que dava Pedro Banana. A plutocracia do Império botou seu dinheiro nos projetos. Os companheiros oferecem PPPs com as arcas do velho e bom BNDES e dos fundos de pensão das empresas estatais.

Quem sentiu cheiro de queimado está na pista certa. Em 2004, o comissário José Dirceu negociava o projeto das PPPs e grão-petistas ofereciam-se como facilitadores.

Tudo isso é oferecido em nome do progresso. Desprezando-se a relação sombria estabelecida entre empresas de consultoria, burocratas e empreiteiras, seria injustiça atribuir essa modalidade de privataria apenas a Lula. O tucanato armou uma PPP para a linha 4 do metrô paulista. Prevê que Bartira pague a conta caso as tarifas e o movimento não cubram a planilha do parceiro. O tucanato que tungou o desconto nas passagens dos trabalhadores que usam o metrô acha natural garantir o contrato do concessionário com o dinheiro dos impostos de todos os contribuintes, inclusive daqueles que vivem em outra cidade.

Não custa repetir as palavras do presidente americano Woodrow Wilson, em 1913: ¿Há uma peculiaridade na história dos Estados latino-americanos e eu estou certo de que eles estão perfeitamente conscientes dela. Na América Latina você ouve falar em `concessões¿ para capitalistas estrangeiros. Você não ouve falar em concessões para capitalistas estrangeiros nos Estados Unidos. Aqui eles não recebem concessões. Eles são convidados para fazer investimentos. (¿) É um convite, não um privilégio.¿

Em matéria de privataria, hoje, a diferença entre petistas e tucanos é irrelevante.

ELIO GASPARI é jornalista.