Título: CHINA AFASTA 17 MIL POR CORRUPÇÃO EM 8 MESES
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 25/10/2006, O Mundo, p. 41
Cerca de 67 mil funcionários já foram exonerados desde 2003 e problema é considerado endêmico
PEQUIM. Apenas duas semanas após o Partido Comunista da China (PCC) fazer uma verdadeira faxina em sua cúpula em Xangai, envolvida no desvio de milhões de dólares de fundos de pensão municipais, a Procuradoria-Geral chinesa mostrou ontem um retrato alarmante da escalada dos casos de corrupção no país. Desde 2003, nada menos que 67.505 pessoas foram afastadas de cargos públicos e processadas ou presas por envolvimento em corrupção. Deste total, 17.505 foram processadas este ano.
Os números, que abrangem funcionários de todos os escalões e níveis de governo, foram divulgados por Wang Zhenchuan, vice-procurador-geral da China, durante o primeiro encontro anual da Associação Internacional de Autoridades Anticorrupção, reunião de figuras de governo para a troca de experiências de combate à corrupção que ocorre esta semana em Pequim.
Muitos acusados fogem do país com medo de execução
Para Wang, os números elevados acendem a luz amarela com relação ao problema da corrupção, mas também mostram que a China vem se esforçando para combater o problema:
- Nós tratamos a luta contra a corrupção como prioridade - disse Wang. - Estamos nos esforçando para melhorar a qualidade da legislação e fiscalização anticorrupção e criar uma cultura de administração pública limpa.
Escândalos envolvendo quadros do governo - especialmente no interior do país, onde funcionários são acusados de ganhar dinheiro para facilitar a remoção de camponeses de suas terras para que no local sejam erguidos empreendimentos imobiliários - têm causado protestos, sobretudo no campo. A insatisfação pode pôr em risco a imagem de integridade que o governo comunista procura passar, conforme já foi alertado pelo presidente da China, Hu Jintao.
O Código Penal do país destaca 55 crimes relativos à má administração pública, mas muitos conseguem fugir da China antes de serem capturados pela polícia. Afinal, o delito pode ser punido com execução - os casos são raros, mas são exibidos como exemplo para a população. Segundo o governo da China, existem 500 corruptos chineses vivendo no exterior.
- Nossas metas são limpar o governo e tornar a lei mais eficaz - afirmou Jia Chunwang, procurador-geral da China.
Os números chineses podem parecer pequenos para um país com 27 milhões de funcionários públicos. Mas o esforço de combate e punição aos corruptos vem ganhando mais e mais espaço na mídia estatal chinesa, que há 10 anos sequer podia tocar no tema.
Ontem mesmo, o jornal "China Daily" estampava na sua capa uma chamada sobre um caso de corrupção envolvendo Li Dalun, secretário do PCC de Chenzhou, cidade na província de Hunan, e 150 pessoas, entre companheiros de partido e amigos empresários. Li beneficiava grupos em leilões de contratos de concessão para exploração mineral.
Há duas semanas, o secretário do PCC em Xangai, Chen Liangyu, e vários integrantes do partido e do governo, inclusive o magnata Zhang Rongkun (o 16º homem mais rico da China) foram presos, acusados de montarem um esquema de desvio de 3,2 bilhões de yuans (US$401 milhões) de um fundo de pensão ligado à prefeitura.
Para ampliar o trabalho de limpeza na administração pública, a Procuradoria-Geral da China criou um exército de 36 mil auditores que vêm se dedicando a investigar denúncias de irregularidades. Há cerca de um mês, o PCC, por determinação do próprio presidente Hu Jintao, decidiu ressuscitar um código de ética - criado há nove anos, mas que nunca saiu do papel - que obriga todos os funcionários graduados do governo e de estatais a revelarem detalhes de suas vidas pessoais. E de seus cônjuges e filhos.
Pequim quer mostrar que tem força
PEQUIM. Por trás da decisão do presidente da China, Hu Jintao, de aumentar o volume e a intensidade da briga contra a corrupção no país está a vontade do governo de Pequim de passar à população uma idéia de que o governo central ainda mantém as rédeas do Partido Comunista da China (PCC) e é capaz de ser obedecido em suas determinações. Afinal, em outubro do ano que vem acontece o 17º Congresso do PCC, um dos momentos políticos mais importantes do país.
No último congresso, em 2002, o partido determinou a ascensão de Hu Jintao ao poder, em substituição ao ex-líder Jiang Zemin. Recentemente, para dirimir suspeitas de que a briga anticorrupção fosse, na verdade, uma tentativa de Hu de se livrar da equipe fiel a Jiang (a cúpula do PCC em Xangai era ligada à Jiang), os dois caciques posaram em fotos juntos para os jornais defendendo o combate à corrupção. Com cerca de 70 milhões de membros em todo país, o PCC é um partido com mais gente que muitos Estados. (G.S.)