Título: O OURO DE PINOCHET
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Fonte: O Globo, 26/10/2006, O Mundo, p. 32

Chile investiga denúncia de que ex-ditador teria 9 toneladas em lingotes num cofre em Hong Kong

e ouro

SANTIAGO

Nove mil quilos de ouro, avaliados em US$160 milhões, e guardados num cofre do banco HSBC de Hong Kong em nome do general e ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet, podem resultar no maior escândalo de corrupção no país. A informação foi divulgada ontem pelo jornal ¿El Mercurio¿, que citou fontes judiciais. Se for confirmado, o valor é quase seis vezes superior aos US$27 milhões encontrados em mais de cem contas bancárias do ex-ditador e de sua família no banco Riggs de Washington e outras instituições financeiras, e que são atribuídos a desvios de verba feitos no período em que governou, de 1973 a 1990. O governo afirmou que já adotou medidas para ter certeza da existência dos fundos. Os advogados de Pinochet, no entanto, disseram que o único ouro que ele possui é o de sua aliança de casamento.

O ministro das Relações Exteriores chileno, Alejandro Foxley, confirmou que a Chancelaria recebeu há vários dias a informação de que o ex-ditador teria ¿ uma milionária soma de dinheiro em lingotes de ouro¿, e ordenou uma investigação.

¿ Nossas missões diplomáticas no exterior estão investigando as informações, mas ainda não temos nada de concreto. Tudo será esclarecido o mais rápido possível. A informação que nos chegou merece ser levada a sério.

As informações sobre a conta foram repassadas pelo Executivo ao Tribunal de Justiça e ao Conselho de Defesa do Estados, que estudam a apresentação ainda hoje de medidas cautelares em Hong Kong que impeçam que a fortuna seja retirada.

¿ Existe um grande risco desse ouro ser retirado do banco. Por isso, estamos tomando todas as medidas necessárias em Hong Kong para impedir esse procedimento ¿ disse o juiz Juan González, nomeado para conduzir provisoriamente a investigação.

O Conselho de Defesa do Estado também deve pedir aos tribunais nas próximas horas que restabeleçam o embargo sobre os bens de Pinochet, que foi derrubado pela Suprema Corte em agosto, até que se esclareça a denúncia. Como todos os processos de corrupção contra o ex-ditador foram interrompidos há dois meses, o embargo que pesava sobre seus bens e contas bancárias perdeu a validade.

De acordo com promotores que investigam os desvios de dinheiro feitos por Pinochet, o general e sua família arquitetaram uma complexa trama financeira para ocultar grandes quantias no exterior, usando nomes e passaportes falsos. As operações seriam frutos de fraudes contra o fisco e fundos públicos e também de atividades como venda de armas e tráfico de drogas. Segundo fontes ouvidas pelo ¿El Mercurio¿, os mesmos devem ter sido tomados em Hong Kong, o que dificulta a formalização de provas.

A informação sobre a conta milionária dividiu mais uma vez o meio político e provocou declarações inflamadas. O presidente do Partido Socialista, Camilo Escalona, disse que se a denuncia for confirmada, Pinochet, além de punido, deve perder imediatamente os títulos que possui, entre eles o de general:

¿ Se isso se confirmar, estará claro que o patrimônio nacional foi saqueado durante a ditadura de Pinochet e o fato precisa ser esclarecido pela Justiça. Creio que todos os títulos, como o de general, conferidos a este senhor, precisam ser retirados.

Já a direita diz que o fato só foi divulgado para minimizar o impacto das denúncias de corrupção do governo de Michelle Bachelet. O mesmo discurso é usado pelo advogado de Pinochet, Pablo Rodríguez.

¿ Posso dizer com absoluta certeza que a denúncia é totalmente falsa. O único ouro que Pinochet tem é o de sua aliança de casamento. Trata-se de uma cortina de fumaça que seguramente foi arquitetada por algum grupo especial, com o objetivo de distrair a atenção da opinião pública dos escândalos que hoje vemos no governo de Bachelet ¿ disse ele, se referindo às denúncias de irregularidades na Chiledeportes, espécie de Ministério dos Esportes, que teria desviado cerca de US$800 mil de projetos que não saíram do papel.

O diretor de relações com a imprensa do HSBC, Richard Lindsay, afirmou que o banco vai obedecer a qualquer determinação de governo ou autoridade financeira dos países onde possui operações, mas negou que tenha recebido qualquer pedido de investigação ou repatriação de dinheiro de políticos chilenos.